
É ano de COP 30 no Brasil. Precisamos elevar a discussão sobre transição energética e ver mudanças concretas nas cidades. Não será possível cumprir a agenda climática sem a descarbonização do transporte público.
Diversas cidades ao redor do mundo já estão integrando ônibus elétricos em seus sistemas de transporte público, marcando um avanço significativo na descarbonização e na melhoria da experiência dos usuários. No entanto, essa transição vai além da simples substituição de veículos tradicionais por elétricos. Na verdade, ela exige um foco estratégico na infraestrutura de recarga, na capacidade da rede elétrica e no planejamento operacional para garantir o sucesso a longo prazo.
Um dos principais desafios para a implementação de ônibus elétricos nas cidades é o alto custo para a aquisição dos veículos, e o desconhecimento de todos os aspectos que englobam o planejamento da infraestrutura de recarga. Com a implementação de uma estratégia de recarga eficaz, em diálogo constante com a distribuidora de energia local para análise de viabilidade técnica e escolha de localidades de eletroterminais, aliada a um planejamento operacional otimizado para a eletrificação, é possível que um ônibus elétrico seja capaz de substituir um ônibus a diesel na maioria das rotas urbanas na proporção de 1:1, ou seja, sem aumento de frota, reestruturação de linhas ou mudanças profundas na operação. Essa estratégia diminui os custos com aquisição de veículos e aumenta a competitividade dessa tecnologia ao longo da vida útil desses componentes, pois os custos operacionais do sistema também diminuem com manutenção e energia.
Por isso, o mais novo lançamento do ITDP, Ônibus Elétricos: Guia de Baterias e Recarga, destaca a importância de integrar o planejamento da infraestrutura de recarga ao processo de eletrificação dos ônibus, contribuindo para a construção de uma visão holística durante a implementação dessa nova tecnologia nos sistemas de transporte público coletivo no Brasil. O estudo fornece um passo a passo detalhado para auxiliar na tomada de decisões sobre tecnologias de baterias, estratégias de carregamento e gestão de frotas.
O material é baseado na ampla experiência do ITDP em transporte público, e busca aproveitar o crescimento contínuo do mercado de ônibus elétricos para ajudar as cidades a tomarem decisões mais estratégicas.
Dividido em três seções, o estudo oferece aprendizados práticos sobre:
- Tecnologias de baterias – visão geral dos tipos de baterias, seu ciclo de vida e a relação entre o tamanho da bateria e os métodos de recarga.
- Estratégias de recarga – análise aprofundada das opções de carregamento, planejamento da infraestrutura e seus impactos na capacidade da rede elétrica e nos custos.
- Processo de Tomada de Decisão – ferramentas práticas para avaliar qualidade, eficiência, equidade e fatores econômicos, apoiando um planejamento mais eficiente.
Ao apresentar boas práticas internacionais e recomendações, o objetivo é apoiar transições mais eficientes e economicamente viáveis para frotas de ônibus elétricos em todo o mundo. O estudo pode ser acessado na versão completa ou via resumo executivo.
As experiências de cidades ao redor do mundo
Um exemplo da falta de planejamento integrado ocorreu nos primeiros esforços de eletrificação de ônibus na China, onde os subsídios nacionais inicialmente se concentraram na compra de ônibus elétricos. Para garantir a escalabilidade, o governo chinês posteriormente ampliou esses incentivos para incluir a infraestrutura de carregamento, aumentando a eficiência da implantação dos ônibus elétricos em todo o país. Da mesma forma, na Índia, a primeira fase do programa Adoção e Fabricação Acelerada de Veículos Elétricos (FAME) teve sucesso ao apoiar a adoção de ônibus elétricos, mas carecia de diretrizes suficientes sobre infraestrutura e necessidades de recarga. Essa lacuna levou o governo a adotar uma abordagem mais abrangente na segunda fase do programa, e nas etapas subsequentes, que facilitaram a adoção e operação de ônibus elétricos em centenas de cidades indianas.
No Brasil, o Governo Federal fomenta a demanda por ônibus elétricos através do Novo PAC Seleções, disponibilizando bilhões de reais por ano para as cidades que desejam eletrificar suas frotas de ônibus. O recurso não é destinado apenas para aquisição de veículos, mas também para financiar a infraestrutura de recarga e projetos de priorização de transporte de média e alta capacidade. Apesar dos esforços governamentais para capacitação dos gestores públicos ao longo dos últimos anos, há casos emblemáticos no país do descompasso entre a entrega dos ônibus elétricos e a operacionalização plena e/ou correta dos eletroterminais, impedindo que esses veículos possam operar. Essas experiências destacam a necessidade crítica de integrar a aquisição de veículos ao planejamento da infraestrutura para uma implantação eficaz dos ônibus elétricos.

Em outras grandes cidades, como São Paulo e Curitiba, análises operacionais recentes de projetos-piloto de ônibus elétricos, conduzidas em diversas condições, revelaram uma grande variação no consumo de energia, mesmo quando os veículos utilizavam o mesmo modelo de bateria e configuração de carregamento. Fatores como o perfil da rota, condições climáticas, topografia e comportamento dos motoristas (por exemplo, manter velocidades constantes durante o deslocamento) impactaram diretamente a eficiência energética e, consequentemente, os custos operacionais.
Estudos semelhantes em cidades da Indonésia e do México apresentaram resultados comparáveis, destacando o impacto crítico das baterias, carregadores e interdependências da rede elétrica nos resultados gerais. Por exemplo, o consumo elevado de energia durante a recarga nos horários de pico aumentou significativamente as despesas operacionais, tornando o custo total de propriedade dos ônibus elétricos potencialmente mais caros em comparação com os ônibus a diesel. Isso pode anular as vantagens esperadas de menores custos operacionais e de manutenção.
Nesse sentido, essas experiências reforçam a importância de adaptar as estratégias de baterias, carregadores e carregamento às condições locais, bem como de compreender suas interconexões para otimizar a implantação dos ônibus elétricos e maximizar seus benefícios econômicos e ambientais. Ao nível global, o planejamento abrangente está sendo cada vez mais reconhecido como um pilar fundamental para a transição bem-sucedida para sistemas de ônibus elétricos.
Precisamos de um futuro mais sustentável
A eletrificação não é apenas uma atualização tecnológica — ela redefine a forma como as cidades abordam o transporte sustentável. Os ônibus elétricos podem proporcionar ar mais limpo, reduzir de emissões e gerar menos custos operacionais, mas esses benefícios dependem da colaboração entre setores e de um planejamento estratégico. Para manter o aquecimento global abaixo de 1,5 °C, as cidades precisam combinar a eletrificação dos veículos com um desenho urbano compacto que priorize a caminhada, os deslocamentos por bicicleta e o transporte público. Juntas, essas estratégias ajudam a reduzir a dependência dos carros, minimizar emissões e criar cidades mais inclusivas e resilientes ao clima.
O guia Ônibus Elétricos: Guia de Baterias e Recarga é um recurso fundamental para cidades que desejam adotar a eletrificação, e visa auxiliar tomadores de decisão a alcançar seus objetivos climáticos, de saúde e equidade, ao mesmo tempo em que constroem sistemas de transporte público resilientes para um futuro sustentável.