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Legislação urbana e corredores de transporte nas grandes cidades brasileiras

Legislação urbana e corredores de transporte nas grandes cidades brasileiras: uma análise à luz dos princípios de Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável

Os instrumentos legais definidos pelo Estatuto da Cidade (Lei Nº 10.257/2001) para orientar a política urbana dos municípios brasileiros (Plano Diretor, Zoneamento Urbano, Código de Obras e Edificações, Operações Urbanas Consorciadas, entre outros), regulamentam o desenvolvimento das cidades e influenciam diretamente seus padrões de urbanização, podendo contribuir ou não para a promoção de modelos de mobilidade mais sustentável.

De modo a evidenciar o grau de alinhamento destes instrumentos com os princípios do Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável (DOTS), o ITDP analisou dois instrumentos que visam regular o uso e ocupação do solo em áreas no entorno de corredores de transporte público em São Paulo e no Rio de Janeiro. Os instrumentos analisados são a Operação Urbana Consorciada (OUC) Bairros do Tamanduateí (São Paulo) e a Área de Especial Interesse Urbanístico (AEIU) TransCarioca (Rio de Janeiro).

A OUC Bairros do Tamanduateí remete a um dos principais rios da cidade de São Paulo e estabelece regulamentação urbanística específica para o adensamento (construtivo e demográfico) e a requalificação urbana de um perímetro que abrange cinco bairros da cidade de São Paulo. Já a AEIU TransCarioca estabelece diretrizes e incentivos para a requalificação do espaço urbano na área no entorno do corredor de BRT TransCarioca, na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro.

Os resultados deste trabalho permitem ampliar o entendimento sobre o papel dos instrumentos legais da política urbana municipal na promoção do DOTS e fornecer subsídios para adequação e aplicação de instrumentos capazes de contribuir com este modelo de desenvolvimento e com a promoção da mobilidade sustentável”, explica Iuri Moura, gerente de Desenvolvimento Urbano do ITDP Brasil.

Ambos os instrumentos abordam temas relacionados à promoção do DOTS, como adensamento de ocupação no entorno de corredores de transporte, incentivo de uso misto, qualificação do espaço de circulação para pedestres e política de estacionamento.

O estudo teve como objetivo esclarecer, a partir da análise dos instrumentos citados acima, a sua importância para o DOTS no entorno de estações de transporte público, exemplificar o potencial de um corredor do ponto de vista de reforma urbana e identificar aspectos positivos e negativos das práticas atuais nas grandes cidades brasileiras.

“Participação social no desenvolvimento da legislação urbana”

É interessante notar a diferença nos processos de participação da população para desenvolvimento das propostas analisadas, fundamental para sua legitimidade e viabilidade política. No caso da AEIU TransCarioca, o processo contou com a realização de duas audiências públicas e não foi divulgada de que forma as contribuições obtidas foram incorporadas nas propostas contidas no Projeto de Lei. Na proposta da OUC Bairros do Tamanduateí, o processo de participação foi comparativamente mais amplo, com a realização de três audiências públicas associadas ao processo de licenciamento ambiental do projeto, quatro diálogos regionais com representantes da sociedade civil organizada (movimentos de moradia, associações comerciais, CADES e associações de moradores), além de apresentações públicas da proposta registradas e amplamente divulgadas. Além disso, a minuta da proposta está disponibilizada em versão online para consulta e realização de contribuições, que foram registradas, divulgadas e sistematizadas para análise e incorporação no Projeto de Lei. Por fim, estão disponíveis em formato aberto as bases de dados georreferenciados utilizados nos mapas anexos, o que permite aos interessados ampliar as análises e contribuições sobre o Projeto de Lei.

AEIU TransCarioca

O Plano Diretor do Rio de Janeiro (Lei Complementar Nº 111/2011) define Área de Especial Interesse Urbanístico (AEIU) como uma “área submetida a um regime urbanístico específico, relativo à implementação de políticas públicas de desenvolvimento urbano e formas de controle que prevalecerão sobre as zonas e subzonas que a contem”. Esta se destina a projetos de estruturação e requalificação urbana, incorporando elementos de instrumentos já previstos pelo Estatuto da Cidade (por exemplo, as Operações Urbanas Consorciadas).

A AEIU TransCarioca estabelece diretrizes e incentivos para a requalificação do espaço urbano no entorno do corredor de transporte na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro (37 bairros segundo SMU/RJ[1]). A proposta está em discussão na Câmara Municipal do Rio de Janeiro desde setembro de 2014, por meio do Projeto de Lei Nº 106/2015 (anteriormente identificado como PL Nº 77/2014). A apresentação do PL foi precedida pela realização de duas audiências públicas para apresentação e discussão da proposta (ambas realizadas em setembro de 2014, nos bairros de Madureira e Bonsucesso).

O corredor de BRT TransCarioca atravessa transversalmente a cidade, conectando o Terminal Alvorada (Barra da Tijuca) ao Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim (Ilha do Governador). O sistema conta com 47 estações e 39 km de vias segregadas, integrando-se às linhas de trens metropolitanos e metrô, essenciais para o acesso à região central do Rio de Janeiro. Além disso, este integra-se aos corredores de BRT TransOeste e TransOlímpica. Futuramente, o corredor será integrado ao BRT TransBrasil, em fase de implantação. Esta proposta incorpora em sua origem a noção de DOTS, consistindo em um instrumento de ordenamento territorial que tem como elemento de referência um dos principais corredores de transporte da cidade (BRT TransCarioca). Além disso, contempla alguns dos bairros mais tradicionais do Rio de Janeiro, que representam centralidades simbólicas para cidade em termos históricos, culturais e econômicos, como Madureira, Penha e Bonsucesso.

A AEIU TransCarioca é um instrumento urbano que visa requalificar áreas consolidadas e servidas pelo corredor de BRT TransCarioca na cidade do Rio de Janeiro. A análise revela  avanços importantes na incorporação de princípios de DOTS no planejamento urbano, como a valorização da mistura de usos e diversidade de renda e a dispensa do número mínimo de vagas em novas edificações.

Para  Iuri Moura, Gerente de Desenvolvimento Urbano do ITDP Brasil, “é extremamente importante avaliar o impacto da proposta na qualidade do serviço do BRT TransCarioca (transporte público) associado ao potencial aumento da demanda gerada pelo adensamento (construtivo, demográfico e de atividades urbanas) ao longo do corredor”. Iuri explica que “o sucesso da proposta em termos de DOTS depende diretamente da capacidade do corredor de atender esta demanda induzida, com qualidade de serviço satisfatória capaz de atrair usuários para o BRT TransCarioca”.

Parte das medidas apresentadas estão conceitualmente alinhadas aos princípios de DOTS, como o adensamento construtivo no entorno do corredor de BRT TransCarioca (adensar), o incentivo à consolidação de usos mistos com atividades complementares (misturar), a criação de ambientes seguros e confortáveis para circulação de pedestres (caminhar), a obrigatoriedade de vagas de estacionamento para bicicletas em edifícios residenciais (pedalar) e a definição de um limite máximo de vagas para imóveis de uso residencial (mudar), como exposto no infográfico abaixo. No mais, a AEIU propõe a requalificação urbana e o adensamento de uma região tradicional e de ocupação urbana consolidada do Rio de Janeiro, contribuindo assim para um desenvolvimento compacto da cidade (compactar).

Porém, a abrangência do instrumento, em muitas ocasiões, se limita às áreas lindeiras  ao corredor (faixas de 35 – 50 metros, conforme Anexo III da proposta), estando subdimensionada, se considerarmos a distância máxima adequada para o acesso de pedestres, ao corredor de transporte público estruturante (1 km ou 10-15 minutos de caminhada). Além disso, a permissão de construção de edifícios-garagem em lotes localizados a até 200 metros de distância das estações do sistema pode estimular a realização de viagens em automóvel particular paralelamente ao corredor, o “park and ride” (mudar), inibindo a adesão ao transporte público coletivo e aos modos ativos (caminhada e bicicleta).

OUC Bairros do Tamanduateí

De acordo com § 1º do Artigo 32 do Estatuto da Cidade, Operações Urbanas Consorciadas (OUC) podem ser definidas como “conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo poder público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental”.

A Operação Urbana Consorciada Bairros do Tamanduateí (OUCBT) remete a um dos principais rios da cidade de São Paulo (Rio Tamanduateí) e aos bairros que se desenvolveram ao longo do seu curso. Esta contempla a maior parte da área do setor Arco Tamanduateí, na Macrozona de Estruturação Metropolitana definida pelo Plano Diretor Estratégico de São Paulo (PDE-SP) (Lei Municipal Nº 16.050/2014). Esta proposta estabelece regulamentação urbanística específica para o adensamento (construtivo e demográfico) e a requalificação urbana de um perímetro que abrange cinco  bairros da cidade de São Paulo (Cambuci, Mooca, Ipiranga, Vila Carioca e Vila Prudente). A proposta se encontra em discussão na Câmara Municipal de São Paulo, por meio do Projeto de Lei Nº 723/2015.

A OUCBT traz elementos importantes para a requalificação e adensamento do entorno das áreas de estação de transporte público por meio de um instrumento previsto no Estatuto das Cidades. Seu processo de participação pode ser considerado uma boa prática no cenário brasileiro na medida que fez uso de tecnologia e sistemas de colaboração (crowdsourcing) e disponibilizou os dados-base abertamente para exploração por parte de seus usuários.

Um dos corredores de transporte que serve o perímetro abrangido pela proposta é o Expresso Tiradentes, que teve seu primeiro trecho inaugurado em 2007, com 12 km de extensão conectando o Terminal Sacomã (Sacomã, Zona Sul de São Paulo) à Estação Mercado no Parque D. Pedro II (Centro). No perímetro da Operação Urbana, o corredor se integra ao metrô (Linha 2 – Verde) no Terminal Sacomã. Além deste corredor, na área de abrangência da OUCBT, a Linha 10 Turquesa da CPTM tem três estações já operacionais (Mooca, Ipiranga e Tamanduateí) e uma prevista (São Carlos) –  está planejada a implementação de uma nova linha de metrô atravessando a área (Linha 6 – Laranja, com três estações no perímetro de adesão, Albert Lion, São Carlos e Parque da Mooca) e a extensão da Linha 2 – Verde do metrô, que também passa pela área.

Este projeto tem forte alinhamento aos princípios de DOTS, ao propor o adensamento e a requalificação de uma área previamente urbanizada da cidade e servida por diferentes corredores de transporte de média e alta capacidade (transporte público), o que pode contribuir diretamente com o desenvolvimento compacto (compactar) de São Paulo. Além disso, o incentivo ao uso misto (misturar) por meio da proposição de atividades complementares (residencial, comércio e serviços) pode contribuir com um desenvolvimento mais equilibrado do território paulistano e minimizar distâncias de deslocamento diário na cidade.

O projeto também incentiva a produção de fachadas ativas nas edificações associadas a estabelecimentos comerciais e de serviços (caminhar), o estímulo a conectividade priorizada para pedestres por meio da criação de espaços de fruição pública e interligações entre ruas para empreendimentos em lotes com área superior a 10.000 m² (conectar).

No mais, ressalta-se a ênfase dada pelo projeto à produção de Habitação de Interesse Social (HIS) (misturar) no contexto da proposta, como, por exemplo, a destinação 25% dos recursos obtidos por meio dos Certificados do Potencial Adicional de Construção (CEPAC) para esta finalidade.

Este tema vem, acertadamente, ganhando maior ênfase nas discussões atuais sobre OUCs em São Paulo e em outras grandes cidades brasileiras, corrigindo distorções históricas associadas ao não tratamento desta questão, mas, esperamos que os recursos provenientes dos mecanismos de captação de mais-valia possam ser utilizados para viabilizar os corredores de transporte que ajudarão a promover o desenvolvimento urbano seguindo os princípios de DOTS”. Ainda segundo Moura, “esta medida pode contribuir para a diversidade socioeconômica, além de minimizar o impacto de um eventual processo de gentrificação ocasionado pela requalificação urbana promovida pelo projeto”. No entanto, explica, , “é importante que seja acompanhada de medidas relativas a outros temas que remetem a HIS, como a provisão de moradia digna à população residente em favelas já existentes na região (ex. Vila Prudente), a distribuição territorialmente equilibrada e a efetiva aplicação da Cota de Solidariedade, o reassentamento da população desapropriada e a mediação entre o processo de valorização imobiliária e a produção de HIS”.

Importante destacar ainda que, apesar da menção de disponibilização de recursos e de medidas específicas, não ficam claras quais serão as intervenções voltadas ao aprimoramento da infraestrutura de transporte sustentável, especialmente o transporte coletivo (transporte público) e o cicloviário (pedalar). Parte das medidas podem induzir ainda a utilização de veículos individuais motorizados (mudar), como a implantação de edifícios-garagem próximos aos corredores de transporte público, com potencial estímulo “park and ride” e inibição a adesão ao transporte público coletivo e aos modos ativos (caminhada e bicicleta).

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