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Como o serviço de transporte público no Brasil reflete o racismo estrutural

Em diferentes cidades, regiões com maior concentração de negros sofrem com problemas como a menor disponibilidade de linhas de ônibus e o alto valor das tarifas

O racismo estrutural afeta o acesso, a oferta e a prestação dos serviços de transporte público no Brasil. Em diferentes cidades do país, regiões com maior concentração de pretos e pardos sofrem com problemas como a menor disponibilidade de linhas de ônibus e o alto valor das tarifas. A morte do americano George Floyd completa 121 dias nesta quarta e colocou o tema em pauta, após dar início a uma onda global de protestos contra as diferentes facetas da discriminação.

Glaucia Pereira é fundadora da empresa Multiplicidade Mobilidade Urbana e acompanha a área de transportes em São Paulo há 13 anos. Ex-funcionária da CET-SP, ela afirma que a própria oferta de linhas de ônibus é um obstáculo no acesso de pretos e pardos ao serviço. Como a operação é pensada para atender as áreas mais nobres, há uma concentração de coletivos nas ruas entre 7h e 9h e poucos veículos disponíveis entre 5h e 6h, quando os moradores das regiões com população majoritariamente negra saem para o trabalho. 

O descompasso se repete em outros horários. “O turno das faxineiras em várias empresas vai de 6h às 15h.  Isso faz com que muitas mulheres negras saiam do trabalho no momento do dia com menos ônibus nas ruas”, conta ela.  

Em outras partes do país, o problema não é o horário de funcionamento, mas a disponibilidade limitada do transporte público. Com 80% de população negra segundo o IBGE, Salvador abriga realidades que ilustram bem a questão. O número de linhas de ônibus que cortam Pernambués, Itapuã e Brotas, os três bairros com maior número de moradores pretos e pardos, é menor do que a quantidade de linhas nos três bairros com menor população negra, Aeroporto, Centro Administrativo e Plataforma.

O Distrito Federal tem 2 regiões com mais de 70% de população negra: Fercal e SCIA/Estrutural. Porém, não há nenhuma conexão entre elas e as áreas do Lago Sul, Sudoeste/Octogonal e Lago Norte, que apresentam o maior percentual de brancos e são interligadas entre si por 7 linhas de ônibus diferentes.

Tarifa é obstáculo

Foto: Dênio Simões/Agência Brasília

Quem consegue embarcar precisa enfrentar ainda um último desafio antes de usufruir do serviço: o preço da passagem. Dados do IBGE mostram que cerca de 20% do orçamento das famílias brasileiras é comprometido com mobilidade. Em áreas como a região metropolitana do Rio, esse indicador chega a um terço da renda, de acordo com números do Mapa da Desigualdade da Casa Fluminense. Segundo o mesmo instituto, a renda média mensal de negros equivale a 55,8% da verificada entre brancos, o que torna o impacto deste gasto maior neste segmento.

A situação é agravada pela distribuição do transporte público em algumas cidades brasileiras. Um exemplo é Porto Alegre, em que o ônibus é a única alternativa para quem deseja se deslocar do Centro até Bom Jesus, Mário Quintana e Restinga, bairros com maior concentração de pretos e pardos. Lá, a passagem do coletivo custa R$ 4,70, enquanto a tarifa do metrô é de R$ 4,20.

As desigualdades persistem quando se observa a prestação dos serviços públicos de mobilidade. “Em São Paulo, há mais motoristas brancos e mais cobradores negros. Como os cobradores ganham menos, este fenômeno pode ser lido como um exemplo de racismo estrutural”, revela Glaucia. 

Na capital paulistana, o salário mensal de um cobrador é de cerca de R$ 1650, enquanto um motorista fatura por mês quase R$ 2850, de acordo com informações do sindicato responsável pelas categorias.

Soluções

Reverter um cenário como esse é difícil, mas não impossível. A arquiteta e urbanista Carol Duarte dá o exemplo de Lisboa, onde a especialista cursa doutorado e a redução do preço do passe mensal de transporte público de 97 para 70 euros no início de 2020 estimulou a população negra a optar pelo serviço. “Havia uma demanda represada em função do alto valor da tarifa”, explica ela. 

Glaucia vai além e afirma que os próprios contratos na área de mobilidade comecem a considerar a questão racial. “É um fator que devia ser levado em conta nas licitações de serviços, no horário de funcionamento deles e outros aspectos”, defende a especialista. 

Ativista e diretora geral da Associação de Ciclistas Urbanos de São Paulo (Ciclocidade), Jô Pereira acredita que é importante que mais pretos e pardos estejam presentes nos times que planejam o transporte público no Brasil. “Enquanto a gente não repensar a mobilidade para atender as maiorias, ela ainda será um privilégio. Nós, negros, precisamos influenciar nessas áreas em que fomos tolhidos de estar”, resume.

Por Saulo Pereira Guimarães

Confira as entrevistas completas da reportagem:

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