Nos últimos anos, as normas de estacionamento têm sido, cada vez mais, objeto do discurso público e político ao redor do mundo, à medida que aumentam as populações urbanas e, consequentemente, a necessidade urgente de moradias mais acessíveis e cidades mais sustentáveis. Cidades como Nova Iorque, Nairóbi e Pequim vêm concentrando esforços para simplificar as regras relacionadas à construção de estacionamentos, e apesar dos desafios, elas já apresentam resultados positivos associados às novas políticas.
A perpetuação da oferta excessiva de vagas em áreas urbanas pode ter um impacto direto nos custos de habitação e no uso ineficiente do solo, além de aumentar o número de proprietários e condutores de automóveis, o que, em entre outros problemas, piora a qualidade do ar e eleva as emissões de gases de efeito estufa. Nesse sentido, as cidades que continuarem construindo novas vagas de estacionamento e mantiverem políticas antiquadas relacionadas ao tema terão de lidar com graves consequências ambientais e sociais.
Ao examinar especificamente o estacionamento fora da via pública, é importante compreender o histórico de decisões e previsões equivocadas de planejamento urbano, as quais perpetuaram a abundância de garagens e estacionamentos subutilizados que encontramos nos centros das grandes cidades.
Um estudo realizado pelo ITDP Brasil mostrou que, entre os anos de 2006 e 2011, a oferta de vagas na cidade do Rio cresceu cerca de três vezes mais do que a quantidade de carros. A área utilizada para os automóveis poderia suprir cerca de 57% do déficit habitacional da época.
Por essas razões, o relatório Quebra do Código: Reformas das Normas de Estacionamento Fora da Via Pública, analisa com profundidade os esforços de várias cidades e países que eliminaram os requisitos mínimos de vagas de estacionamento e priorizaram ações complementares. A publicação traz estudos de caso de sete cidades: Atlanta e Mineápolis, nos Estados Unidos; Pequim, na China; Cidade do México e San Pedro Garza Garcia, no México; e São Paulo, no Brasil. Em escala nacional, o estudo oferece lições importantes da Nova Zelândia sobre barreiras e soluções que podem servir de guia para governos e formuladores de políticas públicas que busquem implementar mudanças semelhantes.
Com base nas experiências dos estudos de caso presentes na publicação, os autores do relatório recomendam, em última análise, que governos municipais, estaduais e nacionais adotem as seguintes medidas:
Eliminar (ou reduzir) os requisitos mínimos de estacionamento;
Atrair e aproveitar a vontade política no nível certo de governo;
Comunicar os planos de reforma usando mensagens com as quais as pessoas se identifiquem;
Coletar e referenciar dados para fortalecer o “porquê” e o “como” das reformas de estacionamento;
Introduzir a reforma das normas de estacionamento em conjunto com políticas complementares; e
Vincular a reforma das normas de estacionamento a resultados específicos e alcançáveis.
A equidade nas ruas começa com a reforma dos estacionamentos, que poderiam ser usados para usos residenciais, atividades econômicas ou plantio de vegetação urbana. O estacionamento fora da via pública é, infelizmente, um elemento dispendioso e, muitas vezes, esquecido no âmbito do planejamento urbano. A oferta de vagas de estacionamento é, nas cidades sem gestão adequada, consideravelmente superior à sua demanda. Aproximar a oferta da necessidade real por estacionamento é crucial para que possamos criar um futuro com cidades compactas e acessíveis, mais habitáveis e sustentáveis. É importante destacar que o objetivo da reforma das normas de estacionamento fora da via pública não é eliminar completamente as vagas de estacionamento, mas, sim, garantir que o valioso espaço urbano seja utilizado de forma mais eficiente e equitativa.
A remoção dos requisitos mínimos de estacionamento consiste em retirar a quantidade mínima de vagas disponíveis em novos empreendimentos, sejam eles residenciais, comerciais ou de serviços. Este é um primeiro passo importante para melhorar o estacionamento fora da via pública. Além disso, essa remoção precisa estar alinhada ao encorajamento do uso de modos sustentáveis (como o transporte público e a mobilidade a pé e em bicicleta) para os deslocamentos urbanos. Algumas ferramentas relacionadas, como a adoção de limites máximos de estacionamento — que limitam o número de vagas construídas — e a redução da área frontal de estacionamento e garagens podem causar ainda mais impacto.
Vale ressaltar que a remoção dos requisitos mínimos de estacionamento é, muitas vezes, considerado algo favorável por empresas e incorporadores imobiliários locais, cujos custos podem ser significativamente reduzidos quando se eliminam os requisitos de estacionamento e realocação de espaço. Os espaços urbanos que, anteriormente, seriam necessários para o estacionamento e armazenamento de veículos podem, então, ser utilizados para a construção de novas unidades habitacionais, comércios, equipamentos de saúde, parques e muito mais. Isso pode, sem dúvida, angariar apoio público, político e econômico.