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Cada vez eventos climáticos, tais como aumento das médias de temperatura, precipitação e eventos extremos, afetam a mobilidade urbana nas cidades brasileiras. Danos, interrupções ou redução do desempenho dos sistemas de transporte interferem drasticamente na dinâmica da cidade e no ir e vir da população, afetando todos os setores e tipos de atividades, gerando prejuízos ambientais, econômicos, acidentes, dentre outros efeitos negativos. Por isso, o ITDP Brasil realizou, em parceria com o Ministério das Cidades e apoio da Embaixada Britânica, o Seminário Internacional “Desafios e Oportunidades para a Adaptação da Mobilidade Urbana às Mudanças Climáticas”.
O evento, realizado no auditório do Ministério das Cidades, em Brasília (DF), foi transmitido ao vivo pela internet para todo o Brasil e contou com um público de 70 expectadores presentes, dentre representantes de diferentes secretarias e ministérios, membros da academia, pesquisadores e interessados no tema. Desde 2014, o ITDP Brasil coopera com o governo brasileiro na área de adaptação às mudanças climáticas. Em 2015, o ITDP Brasil trabalhou em cooperação direta com o Ministério das Cidades na elaboração de uma proposta de indicador de vulnerabilidade em mobilidade urbana para as cidades brasileiras, e gerando subsídios para a elaboração/revisão do Plano Setorial de Transporte e de Mobilidade Urbana para Mitigação da Mudança do Clima (PSTM).
“Garantir sistemas de mobilidade urbana confiáveis e acessíveis é estratégico para o futuro das cidades. As alterações climáticas projetadas para o território brasileiro impactam a implementação efetiva não só da Política Nacional de Mobilidade Urbana, mas também o planejamento e o investimento de curto, médio e longo prazos em infraestrutura de transportes”, declarou Clarisse Cunha Linke, diretora-executiva do ITDP Brasil, na mesa de abertura, reforçando a relevância e importância estratégica do tema do evento.
Fernando Araldi e Diogo Victor Santos, do Ministério das Cidades, em conjunto com Daniel Oberling, do ITDP Brasil, apresentaram um estudo de Adaptação às Mudanças Climáticas na Mobilidade Urbana, que está sendo realizado em conjunto pelas duas instituições.
“Como o tema é novo no Brasil, a gente se deparou com uma enorme dificuldade de ter dados e subsídios para a construção do plano. O conhecimento que desenvolvemos com esse projeto foi substancial”, explicou Fernando Araldi, da Secretaria Nacional de Transportes e da Mobilidade Urbana (SEMOB) do Ministério das Cidades. Já Diogo Victor Santos, também da SEMOB, focou nos impactos das mudanças climáticas nas cidades costeiras e impactos nos sistemas de transportes, e como as cidades podem se beneficiar dos cobenefícios das medidas de adaptação.
“Alagamentos, inundações e enxurradas acontecem em circunstâncias diversas e geram muito claramente impactos diferentes. Investir nas medidas adaptativas em transportes como a integração intermodal, a ampliação do alcance e a abrangência dos sistemas de média e alta capacidade, por exemplo, se justificam já pelos cobenefícios que geram. Independentemente de reduzir a vulnerabilidade dos sistemas de mobilidade urbana nas cidades brasileiras”, explicou Diogo.
Fechando a apresentação de ambos, Daniel Oberling, doutor em Planejamento Energético pela COPPE/UFRJ e consultor do ITDP Brasil para Adaptação às Mudanças Climáticas, apresentou uma proposta – elaborada em conjunto pelo ITDP Brasil e Ministério das Cidades – de índice de vulnerabilidade em mobilidade urbana. De acordo com o estudo que embasou a criação deste índice, as cidades brasileiras apresentam diferentes graus de sensibilidade (social, econômico, características biofísicas, do sistema de mobilidade e de desenvolvimento urbano) e capacidade adaptativa (social, finanças públicas, estrutura institucional).
“Isso faz com que algumas estejam mais ou menos expostas a eventos extremos, e claro, a riscos“, explicou o especialista. “É preciso avaliar as vulnerabilidades potenciais e seus possíveis impactos sociais e nos sistemas de mobilidade; a capacidade adaptativa precisa ser construída para evitar uma série de riscos futuros“, complementou. Ele ainda destacou que os custos das medidas de adaptação não podem servir de justificativa para que elas não sejam implementadas. “É extremamente complexo calcular os custos de adaptação dos sistemas de transporte às mudanças climáticas. Mas caso as cidades não se adaptem os prejuízos podem ser incalculáveis. Assim, é mais passível buscarmos compreender os custos de se implementar medidas adaptativas do que os prejuízos que a falta delas poderão vir a causar”, reforçou o especialista, explicando que muitas das medidas de adaptação são chamadas “medidas de baixo arrependimento”, do termo original em inglês “low regret options“, e incluem medidas adaptativas pouco custosas, de baixo nível de complexidade e fácil implementação.
Após uma rodada de discussões com o público, o evento seguiu com as apresentações de Andrew Quinn, professor titular do Department of Civil Engineering Senior Lecturer in Atmospheric Science da Universidade de Birmingham, na Inglaterra; Roger Street, diretor de Ciência da Adaptação do United Kingdon Climate Impact Programe (UKCIP), em Oxford, na Inglaterra; Pedro Christ, analista ambiental da Secretaria de Mudanças do Clima e Qualidade Ambiental (SMCQ) e coordenador do Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente.
Segundo Andrew Quinn, mobilidade urbana e os sistemas de transportes são um dos setores mais díficeis de serem adaptados para lidar com as mudanças climáticas. As pesquisas de Andrew se concentram nas interações entre infraestrutura de transportes, condições meteorológicas extremas, alterações climáticas, seus impactos, e como tornar cidades mais resilientes. “Eles estão suscetíveis a efeitos devastadores e de grandes implicações para as cidades, com efeitos locais, secundários, regionais e globais“, reforçou o professor durante sua apresentação “Impactos climáticos na mobilidade urbana”, na qual apresentou dados do quinto e mais recente relatório do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), o Fifth Assessment Report (AR5).
Andrew Quinn ainda deu ênfase às questões relativas ao comportamento de mobilidade dos usuários, exemplificando uma série de fatores ainda não previstos nem amplamente estudados, como eles influenciam as escolhas modais e as decisões de se deslocar ou não pela cidade. Andrew ainda abordou como esse conhecimento pode ser usado para mitigar alguns dos impactos, inclusive fatalidades durante eventos extremos. “Entender como se dá o processo de tomada de decisão dos usuários de diferentes modos de transporte é vital“, destacou o especialista. “Para isso, é importante obter dados, mas dados confiáveis, não autodeclarados como em pesquisas de opinião. As pesquisas de opinião são falhas e muitas vezes não retratam o real comportamento do usuário. Precisamos usar a criatividade para pensar em novas formas de se obter e gerar dados para entender o comportamento de viagem das pessoas e as motivações por trás das suas escolhas“, complementou.
Roger Street atua no UKCIP desde 2006, conduzindo o programa de trabalho técnico e científico, avaliando riscos, vulnerabilidades e medidas de adaptação, com mais de 30 anos de experiência em impactos e adaptação em mudanças climáticas no Canadá, China, Austrália e Inglaterra. Ele fez uma apresentação intitulada “Passos para adaptação: desafios e oportunidades”, durante a qual destacou que a adaptação não é uma ação ou conjunto de iniciativas, mas sim um processo contínuo de aprendizado e melhorias.
“Adaptação trata-se de entender e gerenciar riscos, reduzindo as vulnerabilidades. Ampliar o conhecimento acerca dos impactos das mudanças climáticas, da principais vulnerabilidades e passos para a adaptação – e deixar a informação disponível – é chave para empoderar a tomada de decisão e a implementação de medidas em campo (‘on the ground’); já que adaptar-se não é uma questão apenas do governo, mas sim de todos os setores, incluindo iniciativa privada e sociedade civil“, ressaltou o especialista. “Ciência e tecnologia sozinhas não são suficientes para solucionar as questões de adaptação às mudanças climáticas. O escopo desse problema é muito maior e complexo e precisamos de todas as áreas de conhecimento juntas, de forma integrada e com um olhar transdisciplinar“.
Pedro Christ, do Ministério do Meio Ambiente, fez coro com Roger Street ao apresentar o Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas (PNA). “É fundamental o diálogo entre poder público, atores privados e sociedade civil para avançarmos no processo de adaptação; precisamos de um olhar transversal“, enfatizou Pedro Christ. “Temos dados e evidências de que as mudanças climáticas já vem ocorrendo no Brasil e impactando nossos sistemas de transporte. Contudo, ainda não sabemos quais as populações mais vulneráveis nacionalmente aos eventos extremos das mudanças climáticas. Precisamos avançar nesse recorte“, explicou o coordenador do PNA.
A crescente compreensão de que ações de mitigação não serão suficientes para evitar os impactos tem levado a um aumento no número de cidades que estão elaborando seus planos de adaptação, reconhecendo os riscos associados às mudanças climáticas e os impactos nos seus sistemas de transporte, e propondo ações de adaptação. Em sua apresentação, Pedro destacou Rio de Janeiro e Fortaleza como exemplos de cidades que estão avançando nesse processo.
Contudo, a pauta de adaptação às mudanças climáticas ainda compete com outros assuntos que pressionam mais as agendas urbanas. Um dos maiores desafios, portanto, é integrar de forma efetiva os planos e iniciativas relacionadas às mudanças climáticas com políticas de moradia, saneamento, planejamento urbano, gerenciamento de recursos hídricos e mobilidade urbana.
Ana Nassar, Diretora de Programas do ITDP Brasil, mediou a discussão final entre os palestrantes e o público presente. Ela destacou que a capacidade técnica, recursos financeiros, integração entre as diferentes políticas públicas são algumas das principais preocupações em relação ao planejamento das medidas adaptativas às mudanças climáticas na realidade das cidades brasileiras.
“Para continuar avançando e reduzir suas vulnerabilidades, as cidades brasileiras precisam contar com fontes seguras e previsíveis de recursos, assim como fortalecer sua capacidade de planejamento, elaboração, implementação e adaptação de projetos e infraestruturas de transporte”, destacou Ana Nassar. E assim como Andrew Quinn, reforçou a questão da responsabilidade ser de todos os atores, e como é fundamental iniciativas de diálogo multilaterais, como este seminário. “Que este seja mais um ponto de partida do que o fim de uma discussão”.