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Revista Piauí – Brasil precisa de um SUS no transporte público

Ônibus e trens ficaram ainda mais cheios na pandemia; contágio entre os mais pobres escancara abismo social no país

Uma situação extrema como a pandemia de Covid-19 põe lente de aumento na forma de organização das sociedades. Vem à tona o que temos de melhor e de pior. Um sistema nacional integrado e público de saúde, como o SUS, mostra sua importância fundamental na proteção à saúde. Por outro lado, sistemas urbanos de transporte coletivo, que há décadas vêm sendo sucateados e estruturados de modo a servir ao interesse privado, têm evidenciada sua fragilidade enquanto serviço público essencial – que deveria garantir o deslocamento da população com segurança e conforto.

A desigualdade urbana brasileira fica escancarada. O vírus pode ser “democrático” na contaminação, mas as possibilidades de proteção a ele não o são. As condições de vida nas periferias das cidades, a não universalização do saneamento, a desigualdade econômica e a precariedade dos transportes cobram seu preço: contribuem para que os impactos do novo coronavírus sejam maiores e mais graves entre a população mais pobre, majoritariamente formada por pessoas negras.

O vírus chegou ao Brasil de avião, pelas elites. Infectou comitivas presidenciais e convivas de festas em resorts, para então se disseminar. Hoje, alastra-se nas periferias. Ligando esses dois mundos tão desiguais estão os sistemas de transporte coletivo: os ônibus, trens e metrôs que, no contexto de isolamento social, passaram por ajustes operacionais que acabaram por agravar as condições já precárias de circulação.

O transporte coletivo urbano por ônibus já enfrentava uma grave crise quanto à sua gestão e financiamento, que agora se acentuou. A forma de licitação – contratos de longa duração que concentram gestão, frota, garagens e bilhetagem em poucos atores – e a fragilidade do controle público induzem à precarização do serviço. As concessionárias obtêm seus ganhos a partir do pagamento da passagem, o que, na ausência de subsídio público, induz ao aumento dos preços e à redução da oferta. Tudo isso resulta na evasão de passageiros, que migram, muitas vezes se endividando, para carros e motocicletas, e na consequente redução da receita dos sistemas de transporte, realimentando o círculo vicioso.

Esse esquema fez com que os ônibus urbanos brasileiros perdessem 25% de seus passageiros entre 2013 e 2017, segundo a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU). A utilização do transporte coletivo tornou-se um mal necessário para aqueles impossibilitados de se deslocarem em outros meios. Esses usuários cativos enfrentam serviços cada vez piores: veículos lotados e mal conservados, preços altos, redução de horários. Uma pesquisa da FGV/DAPP de 2014 já apontava para os números alarmantes de insatisfação com o serviço no Brasil: 73% dos passageiros estavam insatisfeitos ou muito insatisfeitos com o transporte público nas regiões metropolitanas brasileiras. Esse número chegava a 77% no Rio de Janeiro e 82% em Brasília. Essa precarização tornou-se elemento constituinte do sistema, que conta com ela para aferir seus ganhos financeiros.

Com a pandemia, tudo isso se intensificou. A redução brusca de passageiros durante a quarentena fez despencar a receita. A resposta, em praticamente todas as grandes cidades brasileiras, se deu pela suspensão de linhas e serviços, redução de frotas, fechamento de estações e ajustes operacionais com aumento de intervalos. Em muitas cidades, foram criados protocolos de lotação máxima dos ônibus e trens, mas há diversos relatos de situações em que eles não vêm sendo respeitados.

O conflito entre os interesses públicos – qualidade, conforto, oferta ampla – e aqueles ligados à forma de financiamento (e ao lucro das empresas) se explicitou. Gestores públicos e empresários do setor têm denunciado desequilíbrio econômico financeiro com a proibição de aglomerações nos tran