Está em tramitação desde o início de março o Projeto de Lei Complementar Nº 96/2015 que institui a aplicação do Direito de Superfície no Município do Rio de Janeiro. Este é um instrumento previsto pelo Estatuto das Cidades que abre a possibilidade de promover acesso a terrenos urbanos de forma alternativa ao processo de compra e venda ou de aluguel.
A regulamentação de novos instrumentos pode ter efeitos válidos para a cidade, mas entendemos que alguns pontos precisam ser discutidos mais exaustivamente. O ITDP Brasil promove a ideia de uma cidade densa, compacta, com uso misto do solo, onde toda a população esteja a 1km de uma estação de transporte de massa, onde trajetos curtos sejam feitos a pé e/ou de bicicleta, onde o carro não seja a principal modalidade escolhida para deslocamento, onde haja mistura de classes sociais no território.
Pontos positivos: Aumento da oferta de solo no perímetro urbano, redução dos valores de mercado de terrenos na cidade, aumento das receitas do poder público por meio da cobrança de contrapartida.
Então, sob esta ótica de cidade, acreditamos que o recurso arrecadado precisa estar destinado a priori para a produção desta cidade, densa no Centro e nos bairros da Zona Norte. Identificamos alguns pontos que merecem atenção e profunda discussão:
1) O instrumento dá a possibilidade de aumentar a receita do poder público, mas esta não deve ser a finalidade do instrumento. O fundamental é entender que instrumentos como este nos dão a chance de promover a reforma urbana. Então precisamos entender: qual a visão de desenvolvimento estamos promovendo? Para onde queremos que a cidade cresça? Quais são as prioridades territoriais que nortearão a aplicação do instrumento? No caso do Rio, vamos fortalecer o adensamento ao longo de transporte de massa priorizando o Centro e bairros subutilizados da Zona Norte (Macrozona Incentivada), ou vamos continuar expandindo a cidade para a Zona Oeste (Macrozona Assistida)?
2) A segunda questão é: para onde vão os recursos? O projeto de lei nº 96/2015 define finalidades para o uso do instrumento que podem contribuir para diversos pontos que buscamos promover como cidade mais compacta, com mais diversidade social, mais espaço público, ocupação de terrenos vazios e subutilizados, entre outros. No entanto, mesmo os recursos já tendo destino atribuído, as prioridades não estão definidas. Isso limita o entendimento e a transparência sobre como a prefeitura pretende usar este recurso. Ter rubricas especiais, com foco claro, garantido por lei, é fundamental. No nosso entender, um caso bem sucedido de destinação de recurso é por exemplo os 3% das CEPACS do Porto que são alocados para patrimônio cultural (este recurso é então alocado para obras de restauração; editais de apoio a patrimônio imaterial; e editais Pro-APAC).
3) Em terceiro lugar, como todo instrumento sua aplicação pode ser desvirtuada e seu bom funcionamento depende da capacidade institucional do poder público de avaliar as demandas e fiscalizar a aplicação do instrumento.