ITDP e outras 35 organizações assinaram carta com posicionamento sobre impacto no setor que foi enviada para órgãos governamentais, municipalistas e empresariais
Um total de 36 organizações da sociedade civil e movimentos sociais de todo o Brasil, que atuam na temática de mobilidade e direitos humanos, enviou uma carta a órgãos governamentais, municipalistas e empresariais com posicionamento unificado sobre a situação econômica e social dos transportes públicos e o Programa Emergencial do Transporte Social, que compõe projetos em discussão no Congresso Nacional. A iniciativa se deu diante da crise que a pandemia do novo coronavírus tem causado no setor.
No documento, as entidades frisam a obrigação de se garantir acesso ao serviço, que é essencial, e procurar formas permanentes de financiamento do transporte, que não seja baseada somente na tarifa paga por passageiro, mas no custo de operação do sistema. Enfatizam ainda a necessidade de transparência em todos os dados relativos ao tema e de participação da sociedade nas decisões. Além disso, entendem que muitos dos problemas que as cidades vêm enfrentando para adequar a frota necessária a este momento, e a lotações e aglomerações resultantes disso são resultados dessa falta de recursos e transparência.
“Em países como Espanha, Itália e Argentina, onde já existe subsídio organizado ao transporte, foi possível conseguir auxílio financeiro durante a pandemia de forma mais ágil. Com isso, o debate pôde focar a higienização e organização do atendimento à situação excepcional. Já no Brasil o setor ficou sem fontes de recursos e com isso as prefeituras reduziram a oferta, mais do que o necessário pela quarentena, gerando as lotações que temos assistido ”, explica Rafael Calabria, especialista em mobilidade do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec).
Pandemia acentua problemas históricos do transporte público brasileiro
A redução de usuários nos transportes, resultado das necessárias medidas de isolamento social, gerou queda de arrecadação no setor, revelando falhas históricas dos sistemas de transporte no Brasil. Entre elas, está a falta de fontes variadas para financiar o transporte – sendo seu custeio baseado integralmente no pagamento da tarifa pelo usuário, em grande maioria das cidades – e a remuneração das empresas concessionárias baseada no número de passageiros e não no custo de operação do sistema em si.
“Isso resulta em aumentos tarifários recorrentes, muitas vezes acima da inflação, e com lotações excessivas dos veículos para tornar o setor lucrativo. Por isso, temos redes de transportes caras, de baixa qualidade e excludentes, com perda contínua de passageiros, alimentando o círculo vicioso”, afirma Cleo Manhas, assessora política do Inesc.
Já o fato das empresas de ônibus serem remuneradas com base no número de passageiros transportado incentiva a lotação dos veículos, deixando em segundo plano a qualidade do sistema.“Se um ônibus carrega uma ou 50 pessoas, isso não altera o gasto na operação, como combustível, manutenção, recursos humanos etc. Por isso o cálculo não deve ser feito por usuário, mas pelo custo para se colocar aquele veículo na rua”, argumenta Letícia Birchal, integrante do Tarifa Zero BH, ressaltando que esse padrão é criticado há anos por especialistas e entidades que assinam o posicionamento.
No entanto, só agora, diante da queda no número de usuários pagando a tarifa, e consequentemente de sua receita, as empresas do setor vieram a público pedir ao governo federal a remuneração por custo. Isso evidenciou que essa é a melhor opção para os sistemas funcionarem sem lotação excessiva, garantindo qualidade e atestando que o custo do sistema independe da quantidade de passageiros transportados.
Além disso, as entidades colocam a necessidade de enfrentar o problema histórico de falta de transparência e controle público de custos nos transportes, resultantes de contratos fracos, baixa capacidade de fiscalização e elevada influência das empresas do setor nas decisões públicas.
Entenda os posicionamentos da sociedade civil sobre “Programa Emergencial Transporte Social”
Diante dos impactos da pandemia, secretários e empresários do setor de transportes, em carta publicada e formalizada no Projeto de Lei 2025/20 e na Emenda 26 à Medida Provisória 936/2020, apresentaram o “Programa Emergencial Transporte Social”. Entre os principais pontos comentados na carta estão:
- Remuneração do setor por custo de serviço: considerada acertada e apoiada pelas entidades.
- Aquisição de crédito antecipado pelo governo para pessoas de baixa renda, para manter a receita prevista nos contratos com as empresas: deve ser corrigida. Isso porque, ao se limitar a pessoas cadastradas em programas sociais, a decisão pode excluir outros grupos em situações ainda mais vulneráveis. A proposta de uso dos créditos fora dos picos é inviável, pois o uso do transporte nesses horários, normalmente, é resultado de obrigações de trabalho; as pessoas não possuem escolha quanto ao horário de deslocamento.
- Falta no projeto previsão de transparência sobre os gastos: tanto em âmbito federal, para avaliar o programa como um todo, quanto nos municípios, para que o valor necessário seja auditado e avaliado, bem como o valor recebido.
- Suspensão dos contratos dos trabalhadores: é negativa. Em nome da economia financeira, ignora-se impactos sociais e humanos em momento de extrema crise.
- Faltam soluções e propostas para: cidade sem bilhetagem eletrônica, sistemas de trens e metrôs e integração dos diferentes modos de transporte público.
- Incentivar modos ativos: a carta defende também a busca de soluções de mobilidade por bicicleta e a pé, como opções mais baratas e com menor possibilidade de aglomeração, integradas ao transporte coletivo.
O posicionamento foi assinado pelas seguintes entidades: Ameciclo – Associação Metropolitana de Ciclistas do Recife, Andar à Pé – DF, Bigu Comunicativismo, BrCidades, Casa Fluminense, Centro Popular de Direitos Humanos, Cidadeapé – Associação Pela Mobilidade a Pé em São Paulo, Fórum Paraibano da Pessoa com Deficiência, Idec – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, Inesc – Instituto de Estudos Socioeconômicos, Instituto Aromeiazero, Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento Distrito Federal – IAB/DF, Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento Rio Grande do Sul – IAB/RS, Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento São Paulo – IAB/SP, Instituto de Cidadania Empresarial do Maranhão- ICE-MA, Instituto Ilhabela Sustentável, Instituto Maranhão Sustentável, Instituto Nossa Ilhéus, Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife- IP.rec, Instituto Urbe Urge, ITDP – Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento, Minha Campinas, Movimento Nossa Brasília, Movimento Nossa BH, Movimento Passe Livre – Distrito Federal e entorno, Movimento Passe Livre – Niterói, Movimento Passe Livre – São Paulo, Observatório do Recife, Observatório das Metrópoles – Núcleo UEM/Maringá, Programa Cidades Sustentáveis, Renfa-PE – Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas em Pernambuco, Rodas da Paz, Rede Nossa São Paulo, Soma Brasil, Tarifa Zero BH, UCB – União de Ciclistas do Brasília.