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“O racismo na mobilidade é visto subjetivo e não de maneira estrutural” afirma a arquiteta e urbanista Amanda Corradi

A relação entre racismo e mobilidade ainda é tratada como algo subjetivo e não como um fenômeno estrutural. A afirmação é da arquiteta e urbanista Amanda Corradi, que integra a Associação dos Ciclistas Urbanos de Belo Horizonte.

A importância da representatividade negra nos espaços de decisão relacionadas a transporte público para transformar este cenário foi um dos assuntos abordados pela especialista na entrevista para a série A Cor da Mobilidade. Além disso, ela defendeu a participação popular no planejamento da mobilidade ativa e falou sobre as peculiaridades dos deslocamentos de mulheres na capital mineira. 

Para Amanda, a discussão sobre racismo estrutural e mobilidade em Belo Horizonte ainda é algo recente e envolve uma relação que muitos sequer enxergavam até bem pouco tempo atrás.

 

Qual é sua formação e em que área de atuação você trabalha hoje?

Sou formada em arquitetura e urbanismo e iniciei uma pós-graduação em planejamento ambiental urbano pela PUC Minas. Além disso, sou integrante da BH em Ciclo (Associação dos Ciclistas Urbanos de Belo Horizonte) desde 2012 e trabalhei no Instituto de Planejamento Urbano de Contagem e em outras iniciativas de forma autônoma, fazendo vistorias técnicas, produzindo relatórios, projetos viários e desempenhando outras atividades relacionadas à mobilidade urbana. Já fui integrante do Conselho Municipal de Mobilidade Urbana de Belo Horizonte. Participo também do Terça das Manas, um grupo de pedaladas só de mulheres e que tem como base o feminismo e insere várias questões em suas atividades, como a discussão de raça. Com a pandemia, as pedaladas estão momentaneamente suspensas, mas é um grupo muito importante para o fortalecimento das mulheres que fazem parte.  O simples ato de pedalar bota em questão várias coisas e, quando o grupo de mulheres passa junto, isso tem um efeito forte no imaginário das pessoas, que por vezes ainda estranham mulheres ocupando o espaço público. 

Que questão na área de mobilidade lhe desperta o maior interesse hoje?

A área onde tenho mais atuado é a mobilidade ativa. Muitas vezes, as discussões sobre o tema ficam restritas à infraestrutura e é difícil pautar debates sobre o assunto em conselhos e outros espaços de discussão. Belo Horizonte tem um grupo de trabalho não-institucionalizado sobre o tema, que funciona melhor que os espaços institucionais da prefeitura e tem um bom diálogo entre sociedade civil e poder público. O GT Pedala BH foi criado quando começaram a serem implantadas ciclovias e ciclofaixas que causaram desaprovação dos ciclistas, pois muitas delas geravam situações de risco para quem as utilizava, o que evidenciou a necessidade de uma maior participação popular na implantação dessas infraestruturas. O grupo de trabalho se tornou um espaço permanente e com reuniões mensais até o ano de 2019 e a partir daí foi possível debater os projetos cicloviarios, mas também outras questões referentes à mobilidade ativa, como planejar campanhas educativas, eventos e elaborar o Plano de Ações de Mobilidade por Bicicletas, o PlanBici-BH.

E como a questão da mobilidade se relaciona com o racismo estrutural em BH?

Nos espaços de diálogo entre sociedade civil e poder público em grande maioria não é pautada a interseccionalidade entre raça e mobilidade, e quando isso acontece é feito de maneira pouco aprofundada. Há uma carência muito grande de dados. Por exemplo, a Pesquisa Origem-Destino da Região Metropolitana de Belo Horizonte não trata da questão racial, que também não é citada no Plano Diretor de Mobilidade Urbana que, portanto, não traz princípios nem diretrizes neste sentido. Sem dados, é difícil avançar em qualquer tipo de planejamento que combata o racismo estrutural. Além disso, homens brancos são maioria nos espaços que discutem mobilidade na cidade e isso em grande parte das vezes não é uma questão para eles. Acredito que aumentar a representatividade destes espaços de discussão também pode ajudar a mudar este cenário.

Você tem exemplos de situações que ilustrem isso que você descreve?

A discussão sobre racismo estrutural e mobilidade em Belo Horizonte ainda é algo recente e envolve uma relação que muitos sequer enxergavam até bem pouco tempo atrás. A importância de co-relacionar as desigualdades na mobilidade com relação às questões raciais está sendo percebida e colocada nos debates nos últimos anos, assim como tem acontecido com a questão de gênero. Fazendo a análise entre distribuição de renda no território e a estrutura de transportes, por exemplo, conseguimos saber que as pessoas que têm menos acesso à cidade são as pessoas negras, e com menores rendimentos. A partir daí, é possível começar a traçar caminhos para que as diferenças diminuam, mas ainda é necessário aprofundar para entender melhor os padrões de deslocamento e outros pontos que até o momento são tratados como algo subjetivo, e não de maneira estrutural. 

E como você acredita que este contexto deve se comportar nos próximos anos?

Acho que, em pouco tempo, teremos um debate mais qualificado sobre a relação entre racismo estrutural e mobilidade. Percebo que há mais interesse hoje sobre isso e um entendimento mais amplo sobre a mobilidade, como um direito que dá acesso a outros direitos. Creio que grande parte da demanda deste tipo surge da sociedade civil, que tem se organizado neste sentido. Em Belo Horizonte, há instituições e coletivos que já trabalham com a pauta da mobilidade e sua relação com o racismo e o impacto no direito à cidade. O próprio ITDP é uma fonte de dados importante sobre o assunto, que, com os indicadores do Mobilidados, permite que a gente analise a localização das estruturas que são implantadas e a relação de quem tem acesso a elas. Segundo a pesquisa de Perfil do Ciclista, cerca de 70% dos ciclistas de BH recebem até 2 salários mínimos, mas é a parcela da população que menos tem acesso às ciclovias e ciclofaixas da cidade. A (pouca) infraestrutura da cidade está localizada em áreas onde propicia mais acesso à pessoas com rendimento de 3 salários mínimos ou mais.

Qual é o cenário verificado quando se considera a mobilidade da mulher negra em BH?

Nosso Plano Diretor traz o compromisso de implementação da Nova Agenda Urbana e com os ODS da Agenda 2030, que insere o combate à desigualdade de gênero. A Pesquisa Origem-Destino foca muito na análise das viagens pendulares e não dá conta dos deslocamentos ligados à questão do cuidado, que geralmente são mais curtos e com a responsabilidade atribuída majoritariamente às mulheres, por exemplo. Falta entender melhor a movimentação das mulheres, que muitas vezes são mães. As mulheres negras têm, em média, rendimentos menores que os homens negros e mulheres e homens brancos. Isso significa que o custo dos deslocamentos impacta ainda mais as mulheres negras. Além disso, é importante considerar a relação da mobilidade com as violências sofridas nos espaços públicos e no transporte coletivo. Também é recente a compreensão da relação entre mobilidade e aspectos relacionados à segurança pública – como a iluminação e fluxo de pessoas nas ruas, que são alguns dos fatores que influenciam nas escolhas de deslocamento e nas experiências dessas mulheres. 

Quais são as peculiaridades de Belo Horizonte em termos de mobilidade?

Belo Horizonte tem uma conformação muito determinante. Centralidades locais como, por exemplo, Venda Nova e Barreiro poderiam diminuir o número de deslocamentos longos dentro da cidade se fossem mais estimuladas, já que, de acordo com a pesquisa Origem-Destino, a movimentação interna em BH ainda se dá muito entre centro e periferia. É uma cidade de oportunidades concentradas. O Plano Diretor prevê o fortalecimento das centralidades, por meio de melhora e integração dos diferentes modais de transporte, e de outros mecanismos, como um ordenamento territorial que conecte serviços e infraestrutura, melhoria de espaços públicos e a formação de unidades de vizinhanças qualificadas, tornando menor a dependência do transporte motorizado. Muitas vezes, até a viagem entre periferias exige uma baldeação no Centro. 

Para você, que soluções ajudariam a melhorar a mobilidade dos negros em BH?

A primeira coisa é inserir a discussão sobre raça e gênero no planejamento urbano. Entendo isso como básico para começo de conversa. Como temos uma rede cicloviária que favorece alguns em detrimento de outros, creio que devemos priorizar a ampliação da infraestrutura nas regiões mais carentes. Além disso, promover a integração entre bicicleta e transporte coletivo é algo simples de resolver e que é bom para todos, já que o deslocamento mais fácil para quem é da periferia significa mais acesso a oportunidades por parte desta parcela da população. Precisamos de estações com bicicletários e outros recursos que estimulem o uso da bicicleta na cidade. Não só de recursos, mas de vontade política que proporcione mudanças neste sentido.

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