Diante da notícia de liberação da circulação de táxis na via do BRT TransCarioca, cabe se perguntar: quais as justificativas da Prefeitura e quem a medida beneficia?
Agravamento de congestionamentos, poluição ambiental do ar e disparidades sociais de acesso. Cidades e regiões metropolitanas brasileiras têm assistido a esse filme e continuam a vivenciar uma expansão de suas manchas urbanas e um aumento na prioridade ao transporte individual motorizado, seja o carro, a motocicleta ou, como observado neste caso, o táxi.
A Prefeitura do Rio de Janeiro iniciou nesta segunda-feira a liberação para táxis e veículos do sistema de transporte acessível exclusivo em trecho do BRT TransCarioca desde o aeroporto internacional Tom Jobim até a rotatória da Av. dos Campeões em Ramos. Não é exagerado dizer que a medida compromete a qualidade de vida da população usuária do transporte público, favorecendo o deslocamento dos usuários de transporte privado.
A Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU), instituída em 2012, é clara em determinar que, para o acesso universal à cidade, os municípios devem priorizar os modos de transportes sustentáveis (ativos e coletivos) sobre o transporte individual motorizado. Em consonância com esta diretriz, é importante destacar que os sistemas de BRT são empregados no Brasil e no mundo como soluções de transporte que combinam a eficiência e a qualidade dos metrôs com a flexibilidade e baixo custo relativo dos ônibus, oferecendo ganhos de mobilidade e ambientais significativos. Seus benefícios já foram documentados em diversas pesquisas do ITDP e de instituições e científicas e internacionais que atuam na agenda da mobilidade e do desenvolvimento urbano, como TRB e Banco Mundial. Em todos os casos, a conclusão é unânime: para que um corredor seja considerado BRT, deve ter circulação exclusiva para ônibus e não permitir veículos de uso individual (eventualmente, veículos de serviço são também aceitos, ainda que este não seja o ideal).
Para um raio x do caso do BRT TransCarioca, por exemplo, uma pesquisa com usuários realizada pelo ITDP Brasil após sua inauguração evidenciou uma economia média de 38 minutos por passageiro. Além disso, o BRT tem capacidade de induzir a circulação de passageiros e aumentar os níveis de acessibilidade dos bairros atendidos por seu traçado. Do total de entrevistados, 20% não realizava viagens no itinerário do sistema antes da sua operação. Uma grande parcela dos usuários veio do próprio transporte público, mas mesmo os 4% dos usuários entrevistados que vieram do carro também tiveram um ganho de 10% de tempo em suas viagens.
Contrária à PNMU, às recomendações internacionais e aos ganhos evidentes do corredor, a Prefeitura não apresentou formalmente justificativas técnicas ao liberar táxis no BRT TransCarioca, mencionando apenas as obras da Avenida Brasil. A liberação abre um precedente perigoso para que casos similares se repitam, comprometendo cenários onde o transporte público já conta com sua devida prioridade. Com um carregamento médio de passageiros por veículo muito inferior àquele do BRT, a liberação de táxis não contribuirá de forma eficiente e justa para a mobilidade da cidade. No caso de São Paulo, por exemplo, levantamento de 2014 da CET-SP em corredores de ônibus indicou que para cada cem passageiros transportados pelos coletivos, apenas um era transportado em táxis.
A liberação de táxis tampouco foi debatida com a sociedade civil ou com a empresa operadora, o Consórcio Operacional BRT Rio. O Consórcio Operacional, por exemplo, manifestou especial preocupação com a operação de algumas linhas de maior frequência que operam entre Ramos e o Terminal Fundão Aroldo Melodia e passam pelo Arco Estaiado sobre a Av. Brasil. Com a liberação do trânsito de táxis no corredor, a operação fica especialmente comprometida neste trecho. Por fim, com a tarifa de táxis sendo muito superior àquela do transporte público, a liberação deixa uma mensagem evidente: tem prioridade de acesso à cidade quem pode pagar.
Toda decisão pode implicar em reações e opiniões contrárias. Contudo, o ITDP acredita que optar por pistas exclusivas para circulação de ônibus é o caminho correto a se seguir e o mais respaldado por evidências científicas, pela PNMU e pelos esforços em tornar a cidade acessível a todos e diminuir as emissões de gases poluentes. A inserção de táxis na via abre um precedente indesejável e pode comprometer a regularidade e aumentar o tempo de viagem, diminuindo a atratividade do sistema – que já sofreu uma queda de demanda de 5% entre 2015 e 2016. A medida também acaba, em última instância, por excluir o sistema do modelo de BRT preconizado mundialmente.
O ITDP Brasil espera que a Prefeitura volte atrás da decisão ou apresente formalmente suas justificativas técnicas. É fundamental que a Prefeitura, daqui em diante, torne públicas as suas avaliações e monitore os efeitos das medida tomadas. Neste caso em especial, avaliando o impacto na regularidade e velocidade do BRT TransCarioca no trecho. A prioridade ao transporte público coletivo não pode ser comprometida se o Rio de Janeiro quer seguir no rumo de uma cidade com maior qualidade de vida para seus habitantes.