Fruto de um grande esforço coletivo, o ITDP Brasil realizou no histórico Teatro Carlos Gomes, no Rio de Janeiro, o evento Descarbonizando o Transporte Público, que contou com a presença de importantes especialistas do setor. Financiado pela CRUX Alliance, o debate destacou a urgência de alavancar o financiamento climático para uma transição justa, combinando a eletrificação com cidades compactas e assegurando que os benefícios sociais cheguem a todos, especialmente às pessoas mais vulnerabilizadas.
Como alavancar fundos climáticos para a descarbonização do transporte público
Após a abertura de Heather Thompson, CEO do ITDP, o painel primeiro painel foi iniciado com a presença de Magdala Satt Arioli (WRI Brasil), Felipe Borin (BNDES) e Victoria Santos (Instituto Clima e Sociedade). A diretora-executiva do ITDP Brasil, Clarisse Cunha Linke, durante a sua moderação, apresentou a urgência de migrarmos das negociações climáticas para a implementação prática de soluções, posicionando o transporte público elétrico como elemento central para uma transição justa. Ela destacou que, embora a eletrificação seja crucial, não é suficiente para atingir as metas climáticas; é necessário combinar a adoção de veículos zero emissão com cidades mais compactas e com sistemas de transporte robustos, minimizando o número de veículos particulares nas ruas e priorizando o transporte coletivo.
O debate evidenciou a dimensão do investimento necessário para avançar com a descarbonização, com estimativas na casa dos R$ 600 bilhões até 2054 para modernizar a infraestrutura de mobilidade nas principais regiões metropolitanas do país. Para viabilizar essa transição em escala, foi consenso entre os participantes a necessidade de modelos financeiros inovadores que possam diluir os custos iniciais, como a agregação de demanda por meio de compras conjuntas entre municípios para reduzir preços e atrair investidores. A atuação coordenada de bancos de desenvolvimento, como o BNDES, e a estruturação de projetos bancáveis foram apontadas como fundamentais para destravar esse fluxo de capital, replicando o sucesso de experiências semelhantes em setores como saneamento e aviação.
Para além dos mecanismos de financiamento, foi salientada a importância de uma abordagem sistêmica que garanta que a transição seja socialmente justa. Isto implica assegurar que os benefícios econômicos e sociais —d esde a geração de empregos qualificados na cadeia produtiva local até o acesso a um transporte acessível, seguro e eficiente —c heguem efetivamente à população, em especial aos grupos mais vulnerabilizados. O papel da filantropia e da sociedade civil foi destacado para fomentar esse diálogo multissetorial, incubar modelos piloto e assegurar que a equidade e os direitos das comunidades guiem todo o processo, desde a mineração de insumos críticos até a operação dos ônibus nas ruas.
Da ação climática à justiça social: como garantir equidade na descarbonização do transporte público
O segundo debate mediado por Lorena Freitas, Gerente de Gestão da Mobilidade do ITDP Brasil, e te. A discussão evidenciou que a descarbonização do transporte público é, antes de tudo, uma questão de justiça social e territorial. Partiu-se da constatação de que o direito à cidade e à mobilidade digna é determinado por marcadores sociais como raça, classe e gênero, que historicamente concentram os piores serviços de transporte nas periferias e territórios racialmente segregados. Neste contexto, a transição para uma frota de zero emissões não pode ser um processo tecnocrático, mas sim uma oportunidade estratégica para corrigir essas assimetrias, garantindo que o princípio de justiça climática oriente desde o planejamento de rotas até a alocação de investimentos, assegurando que as comunidades mais vulneráveis sejam as primeiras a colher os benefícios ambientais, econômicos e sociais dessa transformação.
No campo da gestão pública e do desenho de políticas, ficou claro que instrumentos contratuais e modelos de financiamento são ferramentas poderosas para materializar essa equidade. A reformulação dos mecanismos de remuneração do transporte, por exemplo, substituindo o pagamento por passageiro pelo pagamento por quilômetro rodado, mostrou-se essencial para eliminar incentivos perversos que levavam à precarização do serviço em áreas de baixa densidade populacional. A incorporação de critérios explícitos, como bonificações por equidade de gênero na contratação de motoristas e mecânicas, demonstra como a política de mobilidade pode atuar na ponta, promovendo inclusão econômica e qualificando o serviço oferecido à população.
Por fim, a discussão destacou a necessidade de uma governança interseccional e participativa para garantir que os investimentos em infraestrutura verde e resiliente cheguem efetivamente aos territórios que mais precisam. A estruturação de programas nacionais, que priorizam cidades e regiões metropolitanas com alta vulnerabilidade socioclimática, deve ser guiada por comitês gestores diversificados, que incluam representantes do governo, academia e sociedade civil com recortes de gênero e raça. Esta arquitetura de governança é fundamental para assegurar que os projetos não apenas mitiguem emissões, mas também enfrentem desafios urbanos cruciais, como as ilhas de calor, e promovam a renaturalização das cidades, construindo um ambiente urbano mais saudável e equitativo para todos.
O evento integrou a programação dos Diálogos Locais, organizados pela Prefeitura do Rio de Janeiro por meio da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima com o objetivo de fortalecer a pauta climática no Fórum de Líderes Locais, que antecedeu a COP30. O principal objetivo foi fortalecer o diálogo sobre financiamento climático, equidade social e descarbonização do transporte público, temas essenciais no âmbito da COP 30 realizada no país.


