A partir do final da década de 2000, os investimentos em projetos de transporte no Brasil se intensificarem impulsionados pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a perspectiva de organização de grandes eventos tais como a Copa do Mundo FIFA 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016. Em paralelo ocorreram transformações significativas no arcabouço regulatório relacionado à mobilidade urbana com a aprovação da Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU) em 2012, bem como o avanço nas diretrizes sobre a gestão metropolitana com a lei do Estatuto da Metrópole em 2015. Durante este período o país também experimentou um período de protestos que teve por estopim as condições e custos de transporte público em junho de 2013.
Este conjunto de fatores colocou a mobilidade urbana como temas centrais para os diferentes níveis de governo. No entanto, apesar da implementação de diversos projetos de infraestrutura e da promulgação de leis que trouxeram avanços significativos, não há dados objetivos que permitam avaliar em que medida os esforços realizados contribuíram para a resolução dos principais desafios de mobilidade urbana.
De acordo com Bernardo Serra, coordenador de políticas públicas do ITDP Brasil e mestre em Economia pela Universidade de Paris Panthéon-Sorbonne, embora haja uma série de iniciativas acadêmicas e de diversas organizações da sociedade civil neste sentido, ainda há uma carência de consolidação periódica de resultados de indicadores que permitam monitorar e avaliar as condições de mobilidade urbana no nível municipal, metropolitano e nacional.
Para preencher esta lacuna, o ITDP Brasil vem trabalhando com diferentes níveis de governo e organizações da sociedade civil, propondo novos indicadores e métricas. Um deles é o Indicador de transporte de média e alta capacidade por residente, ou RTR (da sigla em inglês para Rapid Transit to Resident). O RTR é calculado pela razão entre a extensão total da rede de transporte de média e alta capacidade e a população em aglomerações urbanas com mais de 500.000 habitantes, expresso em quilômetros existentes para cada um milhão de habitantes. “Nenhum indicador sozinho consegue sintetizar todos aspectos importantes para avaliar as condições de mobilidade. Apesar de algumas limitações, o RTR permite avaliar de forma efetiva se o ritmo de crescimento da infraestrutura em escala nacional condiz com o crescimento demográfico nas áreas urbanas, bem como comparar o desempenho entre diferentes países”, explica o Bernardo.
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O RTR do Brasil aponta que entre 2001 a 2014 o país avançou no desenvolvimento de políticas públicas para o setor e aumentou de forma considerável os investimentos para promoção de padrões de mobilidade urbana mais sustentáveis. No entanto, a rede de transporte existente ainda é insuficiente quando comparada ao passivo acumulado nas últimas décadas e às necessidades da população urbana no país.
Em 2014 o Brasil dispôs de 10,7 km de transporte de média e alta capacidade para cada um milhão de residentes urbanos. Embora seja um avanço em relação aos 8,8 km/milhão de habitantes existentes em 1980, ainda é um acréscimo ínfimo se comparado às necessidades de mobilidade da população. Além disso, está significativamente abaixo de países como a Colômbia e a Indonésia, que apesar de terem valores inferiores de PIB per capita que o Brasil, conseguiram alcançar um aumento expressivo em seu RTR nos últimos anos.
Outro indicador desenvolvido pelo ITDP é o Indicador de proximidade ao transporte de média e alta de capacidade, ou PNT (da sigla em inglês para People Near Transit). Esse indicador aponta o número de pessoas residentes em um raio de até 1km nos entornos das estações de transportes de média e alta capacidade, dividido pelo total da população da cidade ou município. Ao cruzar a localização das infraestruturas de transporte de média e alta capacidade com a população em nível municipal ou regional, o PNT gera subsídios para avaliar a distribuição da oferta de transporte em um território, avaliar o impacto de implementação de novas infraestruturas. Além disso, pode ser um ponto de partida interessante para que diferentes esferas da gestão pública coordenem esforços para integrar planejamento de transporte e desenvolvimento urbano. Embora São Paulo possua a maior rede de transporte de média e alta capacidade do Brasil, a proporção da população que reside em um raio de até um quilômetro de estações é quase 50% menor que o resultado observado no Rio de Janeiro. “A comparação entre os dados das maiores cidades do Brasil demostram um descompasso importante entre o número de quilômetros de transporte disponíveis e o acesso da população”, explica Bernardo.
Em paralelo à criação desses dois indicadores, o ITDP tem se envolvido na discussão global sobre indicadores que serão utilizados para monitorar avanços do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 11 (ODS 11), instituídos pela Organização das Nações Unidas (ONU). Globalmente, o ITDP participa da elaboração de posicionamento conjunto da rede internacional Stichting Partnership on Sustainable, Low Carbon Transport (SLoCaT) sobre estes indicadores. O ITDP Brasil também tem participado das discussões do grupo de trabalho nacional liderado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cujo objetivo é definir uma posição do Brasil sobre uma primeira proposta de indicadores elaborada pela ONU.
Além disso, tem apoiado a Secretária Nacional de Transporte e Mobilidade Urbana do Ministério das Cidades (SEMOB) na coordenação e condução de um grupo de trabalho (GT) que tem por principal objetivo definir um conjunto de indicadores que permitam avaliar a efetividade da implementação da Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU). Além do ITDP Brasil, participam deste GT instituições como o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), WRI Cidades Sustentáveis (WRI Brasil), o Instituto de Meio Ambiente e Energia (IEMA), a Associação Nacional de Transporte Público (ANTP), a União de Ciclistas do Brasil (UCB), Associação Nacional das Empresas de Ônibus (NTU), a Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANP Trilhos) e CAIXA.
Na esfera municipal, o ITDP Brasil atua em parceria com o Movimento Nossa BH e a BHTrans na coordenação da revisão dos indicadores monitorados pelo Observatório de Mobilidade de Belo Horizonte. No Rio de Janeiro, dá suporte na seleção de indicadores de mobilidade urbana para o Índice de Progresso Social que está sendo desenvolvido pelo Instituto Perreira Passos.
Mais recentemente, a prefeitura do Rio lançou dois planos: Visão Rio 500, trazendo diretrizes para os próximos 50 anos e o Plano Estratégico 2017-2020. Ambos os planos incorporaram os oito princípios do Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável, ou DOTS (tradução do termo original em inglês TOD, Transit-oriented development), que orientam e inspiram todo a atuação local e global do ITDP bem como metas para a porcentagem população residente deve estar morando em um raio de até 1km de estações de transportes de média e alta capacidade, usando como base o indicador PNT criado pelo ITDP.
“A adoção formal do indicador PNT e dos oito princípios de DOTS, criados pelo ITDP, pela Prefeitura do Rio é um passo enorme e sem precedentes para direcionar o planejamento das cidades brasileiras de forma mais sustentável. Esse é o tipo de impacto local, regional e global que buscamos com nossa atuação”, comemora Clayton Lane, CEO (Chief Executive Officer) do ITDP. Clayton Lane é engenheiro civil e mestre em planejamento urbano e de transportes pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology) e tem mais de duas décadas de experiência na promoção de iniciativas de transporte sustentável.