A segunda fase, agora com Recife e Rio de Janeiro, aponta muito mais problemas, mesmo numa estrutura menor do que SP e BH. Falta de segurança no serviço e mau estado de higiene e conservação são as principais infrações. Com o apoio da ClimateWorks Foundation e do ITDP Brasil, a iniciativa tem o objetivo de contribuir com a melhoria no serviço para que a população possa priorizar seu uso ao invés dos automóveis, em prol da mobilidade e do meio ambiente. Por meio da plataforma Chega de Aperto, as pessoas podem relatar suas dificuldades no transporte e reforçar a campanha do Idec, que cobra por mais investimentos do governo e órgãos responsáveis.
A segunda etapa da pesquisa do Idec sobre transporte público, que, desta vez, avaliou os ônibus e o metrô de Recife (PE) e Rio de Janeiro (RJ), apontou 490 infrações ao Código de Defesa do Consumidor (CDC) e à regulação específica do setor, principalmente no que se refere à segurança e qualidade do serviço. O artigo 22 do Código determina que os serviços públicos devem ser prestados de forma adequada, eficiente e segura, sejam eles operados diretamente pelo órgão público ou por uma empresa concessionária ou permissionária.
O resultado desta fase é muito pior do que o da primeira pesquisa, em São Paulo (SP) e em Belo Horizonte (MG), que registrou 146 irregularidades. Isso porque a precariedade do serviço é maior, inclusive com relação à quantidade de linhas. Outro fator que contribui para essa diferença é que a legislação local específica para o setor é mais detalhada, no entanto, com determinações difíceis de serem cumpridas com o grande volume de passageiros, como exemplo do vagão exclusivo para mulheres, no Rio de Janeiro.
“As regras que visam à prestação de um bom serviço são amplamente desrespeitadas”, explica João Paulo Amaral, pesquisador do Instituto responsável pelo levantamento. Os problemas identificados na capital pernambucana e na fluminense são similares aos já constatados em São Paulo e BH – superlotação, atrasos e falta de informações sobre o itinerário – situações a que os passageiros já estão “habituados”, mas isso mostra que o desrespeito aos usuários é um problema em todo o país.
Entre as centenas de irregularidades identificadas a falta de estrutura das estações e pontos foi o item que somou maior número de irregularidades: são mal conservados, pequenos e, muitas vezes, não têm assentos. Além disso, falta informação sobre as linhas e os itinerários realizados pelos ônibus que passam no local.
Ônibus
O mais preocupante, no entanto, foi a falta de segurança. Na capital pernambucana, houve casos de motoristas que não pararam no ponto ou que arremessaram o passageiro; no Rio de Janeiro, os condutores também abusaram de imprudências no trânsito, com freadas bruscas, alta velocidade e até circularam com as portas abertas, colocando os passageiros em evidente perigo. Em Recife, esperar por um ônibus pode exigir alta dose de paciência: em um caso, o pesquisador chegou a ficar mais de 30 minutos no ponto.
Dentro dos coletivos, mais problemas: muitos deles estavam em mau estado de higiene e de conservação. Além disso, na capital pernambucana, verificou-se que em alguns carros a plataforma elevatória, que facilita o acesso de cadeirantes, estava com defeito. No Rio, alguns ônibus não tinham tal estrutura, sendo que a lei local obriga que 100% da frota esteja adaptada. Em ambas as cidades, o ônibus é a opção mais utilizada pelos passageiros: o modal atende a 79,4% da população em Recife, e a 52,4% da do Rio. Apesar de ser a principal opção, o meio demonstrou ser o mais problemático: foram contabilizadas 227 infrações na capital pernambucana e 112 na fluminense.
Metrô
Ao contrário do ônibus, a disponibilidade do metrô é incipiente nas duas capitais: são apenas duas linhas no Rio e três em Recife, que atendem a apenas 10% e 14% dos moradores, respectivamente. Nos trilhos, o número de irregularidades foi menor, mas também significativo: foram 93 na cidade nordestina e 58 na do sudeste. Os problemas foram relacionados à estrutura das estações e dos trens, que prejudicam principalmente o acesso dos cadeirantes. Atrasos e superlotação também marcaram presença. No Rio, além disso, foi constatado desrespeito ao vagão reservado para mulheres, previsto na Lei Estadual nº 4.733/2006. Embora tenha sido em apenas uma ocasião, os pesquisadores notaram que há pouca fiscalização ao cumprimento desse direito.
Resultados
O Idec comunicou os resultados da pesquisa às prefeituras e aos órgãos responsáveis pela gestão dos transportes das duas capitais. Até o momento, nenhuma delas respondeu. O pesquisador do Idec lembra que, além de respeitar os direitos dos usuários – garantidos por regulamentos locais e pelo Código de Defesa do Consumidor –, melhorar a qualidade do transporte público é fundamental para construir uma mobilidade urbana mais sustentável.
“Por isso, melhorar os investimentos no transporte público é imprescindível para incentivar o seu uso, em detrimento dos individuais, notadamente insustentáveis para a mobilidade nas cidades e para o meio ambiente”, defende João Paulo. Além de uma cidade mais sustentável, transporte público é a chave para reduzir a desigualdade social brasileira e termos cidades mais justas. É o que defende Clarisse Linke, diretora do ITDP Brasil, que apoiou a pesquisa. “O transporte público conecta e integra as diversas regiões da cidade ao centro, para onde vai todos os dias grande parte da população carioca e munícipios próximos. Transporte público de alta qualidade deve ser total prioridade no Rio de Janeiro, para que tenhamos uma cidade mais justa, com menos desigualdade e mais acessível a todos os cariocas”, reforça Clarisse.
Chega de aperto
A campanha do Idec “Chega de Aperto”, lançada em dezembro do ano passado, em menos de seis meses, já registrou 935 denúncias de internautas de todo o país. Dessas, 38 são de usuários do Rio de Janeiro e 15 de Recife. O canal para receber reclamações de todo o país é: http://chegadeaperto.org.br.
“A insatisfação reforça que é necessário conscientizar os passageiros para que possam exigir um transporte digno e de qualidade”, diz o pesquisador. #Chegadeaperto conta, inclusive, com uma página no Facebook (https://www.facebook.com/chegadeaperto) para disseminar a ideia e atingir o maior número de pessoas, em todo o país, para questionar por que não temos um transporte público de qualidade.
“Queremos que os cidadãos ativem seus direitos como usuários de transporte público e exijam, por exemplo, sua passagem de volta, direito garantido pelo CDC, caso o usuário se sinta prejudicado”, conclui João Paulo. Em setembro o Idec colocou uma enquete sobre o direito à devolução do bilhete em seu site. As respostas demonstraram que mais de 80% das pessoas que participaram não sabiam que tinham esse direito.
Como foi feita a pesquisa
Com o apoio da ClimateWorks Foundation e do ITDP Brasil, a pesquisa avaliou a qualidade do serviço de ônibus e de metrô em Recife (PE) e no Rio de Janeiro (RJ), capitais que figuram entre as cinco maiores regiões metropolitanas do Brasil. Foram considerados parâmetros relacionados à estrutura do ponto ou da estação, à estrutura do meio de transporte, à qualidade da viagem e do atendimento ao usuário, todos baseados em regulamentos específicos do transporte de cada cidade e também nas regras previstas no Código de Defesa do consumidor (CDC).
Nos ônibus, os testes foram realizados por pesquisadores entre os dias 19 e 26 de março de 2014, nos horários de pico matutino e noturno (entre 7h e 10h e entre as 17h e 20h). Os trajetos (10 no total) foram definidos com base na densidade demográfica e comercial do município. No caso do metrô, foram realizadas de oito a dez viagens em cada cidade no decorrer dos horários mais críticos.