Com múltiplas causas, o caos na mobilidade urbana nas cidades brasileiras é fruto da má combinação entre políticas de uso do solo, circulação e transporte, agravado pela gradativa desvalorização de pedestres, ciclistas e os sistemas de transporte público nos últimos 50 anos.
A Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro) se propôs a calcular as perdas provocadas pelos congestionamentos na Região Metropolitana do Rio de Janeiro em 2014. O estudo aponta que os prejuízos em 2013 chegaram a R$ 29 bilhões. Esse valor foi equivalente a 8,2% do Produto Interno Bruto metropolitano naquele ano e superior ao PIB do Acre, do Amapá, do Piauí, de Roraima e Tocantins.
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Segundo o mesmo estudo, a previsão é que em 2016 o prejuízo seja ainda maior, chegando a R$ 34 bilhões. Para chegar a esse número a FIRJAN considerou uma série de externalidades provocadas pelos congestionamentos, sobretudo os danos com o desgaste dos veículos; a queima de combustíveis fósseis; e o “custo de oportunidade”, ou seja, o tempo em que as pessoas ficam retidas em um veículo, representando o desperdício de sua capacidade produtiva devido às horas paradas no congestionamento.
“Em áreas urbanas centrais, 30% dos congestionamentos nas vias pode ser causado por motoristas a procura de vagas de estacionamento”, explica o engenheiro Diego Silva, coordenador de gestão de tráfego no ITDP Brasil e mestre em engenharia de transportes pela UFRGS. A oferta de estacionamento farto (em via pública, gratuito e/ou de baixo custo) estimula ainda mais a utilização do automóvel, em um círculo vicioso perverso: quanto mais vagas existirem e mais baratas elas forem, mais atraente será o uso do carro. Nesse sentido, desestimular o uso do automóvel é fundamental para melhorar a mobilidade urbana, para isso é importante limitar sua circulação nos centros urbanos, reduzir a velocidade máxima e diminuir a oferta de vagas de estacionamento.
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O espaço viário é público, sendo um recurso valioso e limitado que deve ser utilizado por todos de forma democrática. Na maioria das cidades brasileiras, no entanto, este espaço encontra-se largamente ocupado e dedicado aos veículos motorizados, em especial aos automóveis particulares. Apesar de em média apenas 30% dos deslocamentos serem realizados por automóvel nas cidades brasileiras, o espaço viário dedicado ao carro representa normalmente de 70% a 90% do total.
A revisão e o reordenamento da oferta de estacionamento público, por exemplo, possui grande potencial transformador da paisagem, da forma e ambientação das ruas, melhorando a mobilidade urbana de todos os atores do trânsito e a qualidade de vida. Por isso, promover uma boa gestão sobre o uso de vagas de estacionamento é fundamental nas cidades brasileiras, como o Rio de Janeiro, por exemplo.
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O sistema atual no Rio é o Rio Rotativo, que estabelece para áreas de alta demanda o limite máximo de 2 horas ao custo de R$ 2. O controle é feito por meio da venda de tíquetes de papel, que podem ser adquiridos em bancas de jornal ou com vendedores de rua, conhecidos como “flanelinhas”. Entretanto, o tempo de duas horas, que deveria induzir a rotatividade no uso das vagas, é constantemente desrespeitado por conta de uma fiscalização ineficiente, permitindo que veículos permaneçam estacionados longos períodos em áreas de maior demanda. Outro ponto é o baixo custo das vagas, que incentiva mais viagens individuais de carro (demanda induzida).
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Desde 2013 a Prefeitura do Rio tem planos para rever o estacionamento em via pública. Em setembro do mesmo ano, a Prefeitura divulgou um “aviso público” para contratação de estudos para embasar o novo modelo de gestão de estacionamento na via para diversas regiões da cidade. Por isso em janeiro de 2014, o ITDP Brasil realizou um inédito inventário da utilização do estacionamento em via pública no centro da cidade, no qual levantou a oferta de vagas existentes em via pública e fora (estacionamentos pagos particulares), identificou as áreas com características particulares e os principais problemas, como o estacionamento irregular. A íntegra do estudo está disponível aqui.
Em 2014 o contrato com a Embrapark – que desde 2009 operava 9.094 vagas do Rio Rotativo em oito bairros da Zona Sul (Leme a São Conrado) – se encerrou, sem ser renovado. Em junho do mesmo ano, a Prefeitura publicou o edital de licitação para um novo sistema de gestão de estacionamento público, que previa a instalação de parquímetros e sensores de presença nas vagas, com pagamento pela internet via aplicativos de celular, abolindo gradualmente o antigo sistema de talonário, suspenso em seguida pelo Tribunal de Contas do Município (TCM).
Aprovada apenas em agosto de 2015 pelo TCM, a licitação que traria à concorrência empresas para controlar o sistema de parquímetros da cidade ficou “estacionada” pela Prefeitura até março de 2016, quando o edital foi novamente publicado no Diário Oficial do Município para licitação do novo modelo, batizado então de Vagas Inteligentes do Rio. A licitação previa a instalação de 1.200 parquímetros, sensores de ocupação em 10% das vagas, um prazo de concessão de 15 anos, sendo dividida em dois lotes com total de 37.082 vagas. O lote 1, com valor de R$ 66 milhões, abrange Zonas Oeste e Sul, com 22.126 vagas nos bairros de Copacabana, Leme, Ipanema, Lagoa, Leblon e Jardim Botânico. O lote 2, com valor de R$ 41milhões, abrange Centro, Zonas Norte e Sul, com 14.956 vagas distribuídas nos bairros de Benfica, Cajú, Centro, Cidade Nova, Estácio, Gamboa, Rio Comprido, Santa Teresa, Santo Cristo, São Cristóvão, Saúde, Vasco da Gama, Glória, Botafogo, Catete, Cosme Velho, Flamengo, Humaitá, Laranjeiras e Urca.
Esse edital também previa a gratuidade para idosos (mais de 65 anos), acompanhantes de pacientes internados em unidades de saúde e portadores de necessidades especiais. De forma geral, essa licitação publicada em 2016 encontra-se com mais embasamento técnico, e mais consistente, do que a publicada em 2014. Contudo, no mês seguinte (abril de 2016), o novo edital foi adiado pela própria Prefeitura, sem data prevista para reabertura.
“Estabelecer regras claras entre os usuários do automóvel e os demais agentes da cidade é um primeiro passo fundamental para a melhoria da mobilidade urbana no Rio de Janeiro”, reforça Diego Silva. Juntamente com a elaboração do Plano Municipal de Mobilidade Urbana Sustentável (PMUS), a expansão do sistema de bicicletas compartilhadas, a implementação da primeira travessia de pedestres em diagonal e um novo estudo para um projeto de compartilhamento de carros elétricos, o lançamento do edital de licitação para o estacionamento público visa suprir uma lacuna que ainda existe quanto a redistribuição do espaço público de forma mais igualitária.
“O ITDP Brasil entende a revisão da gestão do estacionamento público no Rio como uma importante iniciativa para melhorar a mobilidade de toda a cidade do Rio. É essencial que a nova política de estacionamento faça parte de uma reforma ainda mais ampla, com o investimento contínuo em transporte público de qualidade e de requalificação do espaço público para pedestres e ciclistas, essenciais para uma política de mobilidade urbana consistente, focada em pessoas e em lugares, e não em automóveis e vagas”, conclui o engenheiro.
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Estacionamento e espaço público no bairro da Freguesia, em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio
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Em maio de 2016, a Associação de Moradores e Amigos da Freguesia (AMAF), sub-bairro de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, lançou uma campanha batizada de “Vaga Livre”, propondo a criação de vagas de estacionamento em passeio público no bairro (áreas destinadas aos pedestres, como calçadas, por exemplo). Diversos movimentos da sociedade civil local se colocaram imediatamente contrários à proposta, que representa um enorme retrocesso. O ITDP Brasil apoiou a iniciativa dos movimentos Ciclo Rotas Jacarepaguá, Comissão de Meio Ambiente de Jacarepaguá e Metrô Freguesia e Mobilidade Urbana, assinando uma carta manifesto elaborada por eles. O bairro da Freguesia, em Jacarepaguá, localiza-se na Zona Oeste do Rio de Janeiro.
O investimento na infraestrutura para automóveis como eixo norteador do modelo de urbanização da cidade produz e reproduz uma cultura do automóvel, permitindo que a cidade cresça cada vez mais para Zona Oeste, principalmente a partir do final dos anos 1960, quando a proposta de criar uma nova centralidade metropolitana na Baixada de Jacarepaguá (Barra da Tijuca) se consolidou.
“A Freguesia, assim como toda baixada de Jacarepaguá, vem sofrendo alguns anos de aumento desenfreado no número de novos empreendimentos habitacionais, desconsiderando-se qualquer estudo preliminar de impacto ambiental e de vizinhança. O resultado disso com a falta de investimentos em transporte público é o aumento vertiginoso da quantidade de carros nas ruas do bairro, cujas principais vias foram concebidas num momento em que o bairro ainda tinha feições rurais e possuía pouquíssima densidade populacional”, explica Carolina Queiroz, arquiteta, moradora de Jacarepaguá há 27 anos e uma das mobilizadoras da iniciativa.
Apesar de constituir uma área de baixa densidade demográfica, a Zona Oeste é uma das áreas com maior população residente percentual, 27% da população carioca, mas apenas 8% de emprego. Em contraposição, o Centro tem somente 4% da população residindo, porém 38% dos empregos. Portanto, isso gera a necessidade de deslocamentos pendulares de até 50km diariamente, para que grande parte da população da Zona Oeste acesse as oportunidades de emprego localizadas em outras regiões da cidade, principalmente no Centro e na Zona Sul da cidade. Esse cenário gera maior uso de transportes informais e de transporte individual motorizado (automóvel).