Lançado há dez anos, o sistema de BRT chegou à cidade do Rio de Janeiro como uma solução inovadora e eficiente de transporte de alta capacidade. Na época, a capital carioca acompanhou a tendência de cidades mundiais que investiam no sistema com operação exclusiva para promover eficiência, rapidez e qualidade para a população. Hoje, além de ter a qualidade do serviço questionada dadas as críticas severas das pessoas que os utilizam, pode-se também afirmar que o sistema está longe de explorar as novas tecnologias disponíveis que já estão sendo utilizadas por cidades focadas em afirmar os compromissos climáticos por meio de ações concretas.
Apesar de ter se comprometido via Decreto Nº 46.081/2019 que a partir de 2025 qualquer contrato ou permissão de transporte público só poderá ser aprovado se utilizar veículos zero emissão, e de ter estipulado como meta substituir 20% da frota de ônibus por veículos sustentáveis até 2030, a cidade do Rio parece ainda não estar engajada em aprender desde já sobre como implementar frotas de emissão zero para cumprir com os acordos firmados em lei.
A primeira oportunidade rumo ao processo de transição energética para uma tecnologia que não é nociva ao ambiente foi anunciada pela própria Prefeitura em janeiro deste ano, durante a audiência pública. Na ocasião, declarou-se que ônibus elétricos seriam comprados para compor o sistema do BRT TransOeste no trecho da Avenida Cesário de Melo.
Entretanto, o lançamento do edital – que não recebeu propostas e foi republicado – desconsiderou a eletrificação da frota, incluindo apenas a aquisição de ônibus a diesel, combustível que colabora para a poluição do ar. Em vista das exigências e promessas climáticas que deverão ser cumpridas em menos de três anos, a cidade precisa aproveitar a licitação do sistema como oportunidade para se engajar efetivamente com seus compromissos e oferecer um transporte bom, barato, limpo, seguro e de qualidade para a população.
A cidade do Rio de Janeiro também é signatária da Declaração de Ruas Verdes e Saudáveis – termo elaborado pela C40 que almeja zerar a emissão de gases do transporte público a partir de 2025. Esse compromisso contrasta com a falta de ação de agora, que pode gerar um futuro descomprometido com o transporte público limpo e saudável para a população e para o meio ambiente.
Além da questão ambiental, os veículos movidos a combustíveis fósseis têm um impacto negativo para a saúde das pessoas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que a poluição do ar foi a principal causa de óbitos no país recentemente, e o problema afeta principalmente pessoas negras e pobres, que são as que mais utilizam os coletivos. Além de sofrerem diariamente com superlotações, calor, ausência de ônibus e atrasos, essas pessoas são mais afetadas por estarem em contato diário com as partículas emitidas durante a combustão que escapa dos veículos.
Crianças e idosos também fazem parte dos grupos que são fortemente afetados. No caso das pessoas mais velhas, que têm sistema imunológico mais debilitado, os mecanismos de defesa corporais são mais frágeis e podem se sobrecarregar quando os sintomas se agravam, podendo ocasionar mortes por doenças respiratórias e cardiovasculares. Já as crianças são mais prejudicadas por inspirar uma quantidade maior de partículas nocivas, pois possuem uma frequência respiratória superior se compararmos com a dos adultos.
Os ônibus elétricos podem mudar diversos cenários do Rio de Janeiro. Veja quais:
ATIVA A ECONOMIA
Investir nessa tecnologia estimula diretamente o mercado emergente de veículos elétricos. Estudos preveem que pelo menos 22,5 milhões de empregos serão gerados pela eletromobilidade em toda a América Latina até 2030. O engajamento municipal com a adoção de frotas elétricas é promissor para dinamizar esse mercado no país. Apesar da disponibilidade de fabricantes e fornecedores ainda ser tímida, trata-se de um mercado com muito potencial para prosperar.
SOLUÇÃO AMBIENTAL
Os ônibus têm uma participação significativa nas emissões de gases nocivos ao meio ambiente. Dentre as tecnologias existentes, a eletromobilidade é a única capaz de zerar as emissões de gases poluentes locais e de efeito estufa no serviço de transporte de passageiros.
QUESTÃO DE SAÚDE PÚBLICA
Zerar emissões de carbono significa amenizar o risco de doenças e mortes relacionadas a problemas cardiorrespiratórios que afetam principalmente pessoas negras, pobres, crianças e idosos.
IMPACTOS LOCAIS
O fato de não liberar gases poluentes (como material particulado, metano e gás carbônico) evita a formação de ilhas de calor, microrregiões caracterizadas por elevada temperatura comparada às áreas vizinhas. Ônibus a diesel aumentam a sensação térmica nos bairros por que passam.
CONDIÇÕES MAIS DIGNAS DE TRABALHO
Os ônibus elétricos são mais confortáveis, silenciosos e frescos. Além de oferecer qualidade para os usuários do sistema, a eletrificação promove condições mais dignas para motoristas e funcionários.
JUSTIÇA SOCIAL
A melhoria da qualidade no serviço terá um impacto ainda maior para mulheres e pessoas de baixa renda, que são as principais usuárias do sistema.
Ao adotar a eletromobilidade agora, o Rio será referência nacional
- Em menos de três anos, quando o uso dessa tecnologia for obrigatória, a cidade estará preparada e capacitada, inclusive para fornecer apoio a outras cidades e destacar-se como referência em transporte limpo, equitativo e de qualidade.
- Descarbonizar o BRT agora trará experiência e conhecimento técnico para replicar para todas as frotas a partir de 2025.
- O pioneirismo de cidades no Chile e na China encorajaram municípios brasileiros a testar ônibus elétricos. Uma cidade brasileira pode influenciar ainda mais, além de compartilhar boas práticas.
- Adotar a eletromobilidade é uma tarefa urgente. A América Latina já tem feito grandes avanços para reduzir a poluição, como Santiago, no Chile, e Bogotá, na Colômbia.
- No Brasil, São Paulo, Campinas, Volta Redonda, Brasília e São José dos Campos já estão caminhando na direção da eletrificação. A segunda maior cidade do país não pode ficar de fora.
- Organizações da sociedade civil como o ITDP Brasil, Idec e Casa Fluminense estão cobrando a priorização da frota eletrificada e defendendo que a Prefeitura leve adiante a agenda de carbono zero.
O transporte coletivo é responsabilidade do poder público e somente o engajamento municipal permitirá a adoção de frotas elétricas. O mundo já despertou para a eletromobilidade e para realização de ações práticas que irão minimizar os efeitos da poluição.
Neste momento, a eletrificação é uma ótima oportunidade para requalificar o serviço oferecido pelo BRT, mas também para enfrentar os desafios climáticos e cumprir as metas associadas ao tema em breve, além de melhorar a qualidade de vida das pessoas e inspirar outras cidades brasileiras.