Desde fevereiro, o pedestre que for atravessar da Avenida Graça Aranha para a Rua Araújo Pôrto Alegre, no centro do Rio de Janeiro, vai ter um ganho de tempo considerável e mais segurança na travessia. Nessa interseção foi implementada a primeira travessia de pedestres em diagonal, mais popularmente conhecida por cruzamento em X. Ele facilita a travessia dos pedestres que, ao invés de efetuarem a travessia em duas etapas distintas (uma via por vez) para atingir a esquina oposta, poderão fazê-lo de uma única vez.
Apesar de novidade no Brasil, cruzamentos em X são comuns em Tóquio, e já foram adotadas em diversas cidades ao redor do mundo, como Chicago, Toronto, New York e Londres. Em Londres, o cruzamento em X em uma das esquinas com maior fluxo de pedestres (entre a Oxford St. e a Regent St.) trouxe mais agilidade e segurança para os deslocamentos a pé. Após o reordenamento das calçadas e de aumentos (relativamente baixos) nos tempos semafóricos para os veículos motorizados, houve um ganho de 69% na área utilizável para os pedestres.
No Brasil, os cruzamentos em X estão sendo implementados desde dezembro de 2014, a partir de uma iniciativa da cidade de São Paulo, seguida por Fortaleza, Goiânia e Rio de Janeiro. São Paulo foi a primeira cidade no Brasil a implementar esse tipo de sinalização diferenciada para pedestres, como parte de uma estratégia mais ampla de ações de requalificação e redesenho urbano para priorizar pedestres e ciclistas nas regiões centrais das cidades, a fim de priorizar modos ativos de transporte e reduzir o número de viagens por automóvel. A cidade agora está avançando na elaboração de uma normativa interna estabelecendo critérios de sinalização para travessia de pedestres em diagonal.
“Segundo dados do Ministério das Cidades (2015), os deslocamentos a pé representam uma grande porcentagem do total de deslocamentos realizados nas cidades brasileiras. Em cidades com até 60 mil habitantes, este modo responde por quase 50% do total de viagens realizadas. A implementação de cruzamentos em X passam uma mensagem fortíssima de que os pedestres estão voltando a ser vistos como prioridade pelo poder público. O número crescente de projetos piloto em cidades brasileiras mostra que estamos avançando neste sentido; é importante monitorar estas experiências para que possamos aperfeiçoá-las e disseminá-las para outras cidades”, explica Danielle Hoppe, arquiteta e urbanista, mestre em planejamento urbano e gerente de transportes ativos e gestão da demanda por viagens do ITDP Brasil.
Em Fortaleza, o primeiro cruzamento em X foi implementado entre as Av. Historiador Raimundo Girão e Rua Rui Barbosa, como um piloto. A região do cruzamento passou por um estudo de otimização da circulação e a interseção semafórica passou a ser um semáforo para pedestres apenas. Os resultados tem sido positivos, e em breve outros cruzamentos em X serão criados em interseções mais complexas, como na Av. 13 de Maio e Av. da Universidade.
“Esse novo cruzamento será em três estágios (dois veiculares e um de pedestres) em uma área bastante congestionada. Como o semáforo permanecerá com três estágios, uma solução adotada pelos gestores públicos para a diminuição do tempo veicular não ser tão grande foi o prolongamento das esquinas, diminuindo o tempo de travessia para os pedestres e aumentando sua segurança”, explica Danielle Hoppe.
Há 100 anos para um pedestre atravessar a rua era simples: bastava cruzá-la em qualquer ponto. Hoje, ele precisa encontrar um ponto específico no sistema viário para realizar a travessia. Em algumas cidades, caso o pedestre não faça a travessia apenas nos locais indicados, ele estará cometendo uma infração de trânsito. Em Los Angeles, EUA, dezenas de milhares de multas são aplicadas a pedestres que atravessam fora da faixa todos os anos.
Para a maioria das pessoas, isso parece parte da natureza básica das ruas nos dias de hoje. Mas em sua origem, a rua não era apenas uma via de acesso a outros locais e sim o próprio lugar. Os espaços públicos eram espaços de convivência, eram lugares: para se estar, passar o tempo, interagir com outras pessoas.
Em meados do início do século XX, com o surgimento do automóvel nas cidades norte-americanas, era trabalho dos motoristas evitar os pedestres, e não o contrário. Os pedestres andavam nas ruas em qualquer lugar que quisessem, e em 1910, havia poucas faixas de pedestres pintadas na rua, que em geral eram ignoradas. Com a popularização do automóvel na década de 20, o número de atropelamentos disparou.
Com o passar das décadas, o objetivo principal dos engenheiros e planejadores urbanos passou a ser o livre e desimpedido tráfego de automóveis, excluindo os pedestres da equação ao desenhar ruas. Esse processo resultou na inversão da lógica original das ruas como espaços públicos de convivência; na restrição e limitação do direito de ir e vir dos pedestres; na criminalização dos pedestres que ainda usufruíam de seu direito; na expulsão de pedestres, crianças e comércio para as calçadas; na redefinição de a quem pertenciam as ruas, que passaram a ser de uso quase exclusivo dos veículos motorizados.
Durante o século XX, o automóvel passou a dominar as cidades brasileiras, e o pedestre e a bicicleta foram gradativamente desvalorizados. Essa lógica original das ruas como espaços públicos de convivência e bem-estar tem voltado à tona de 10 anos para cá, no qual governos, instituições e cidadãos estão tentando resgatar o uso da rua não apenas como uma via de acesso a um local e, sim, o próprio local.
“Se formos parar para fazer uma reflexão crítica, nos últimos 50 anos, com o surgimento do automóvel, o cenário se inverteu completamente. Por mais de 3.000 anos as cidades existiram para serem espaços de encontros, de trocas, de interações entre pessoas. Essa abordagem centrada no automóvel tem sido questionada já há algumas décadas por urbanistas de vanguarda como Jane Jacobs e Jan Gehl”, reforça Danielle Hoppe.
O ITDP Brasil atua para resgatar essa lógica original das ruas como espaços públicos de convivência e bem-estar. Para isso, acredita que é preciso centrar o desenho urbano nas pessoas, já que são elas que caminham, acessam serviços, oportunidades, educação e cultura. Nos últimos anos, o ITDP Brasil tem colaborado de forma intensa com a implementação de políticas e projetos de mobilidade por transporte ativo e mobilidade urbana sustentável nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. Por meio de um trabalho contínuo de identificação, documentação e disseminação de boas práticas, dissemina estudos de caso e ferramentas técnicas para que os agentes municipais possam gerar soluções e propor mudanças.
Com um extenso acervo de publicações próprias, que incluem padrões de qualidade técnicos utilizados mundialmente, materiais informativos contendo boas práticas, relatórios e recomendações sobre políticas e projetos específicos no Brasil, o ITDP Brasil continuamente busca sensibilizar o poder público, sociedade civil e gestores de mobilidade, transportes e planejamento urbano para a implementação de medidas que privilegiem os pedestres, como os cruzamentos em X. Saiba mais na página Bicicleta e Pedestre.