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Planejamento e desempenho | Contratos com Usuários
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A operação dos sistemas de bicicletas compartilhadas nas cidades analisadas está estruturada em contratos celebrados entre o poder público e a empresa operadora dos sistemas ou em consórcios formados pela operadora e o patrocinador privado. O arranjo é semelhante ao encontrado em outras cidades do mundo: em troca da exploração publicitária, o patrocinador privado arca com o custo dos sistemas, contratando uma empresa para a implementação, operação e manutenção ou às vezes criando uma subsidiária responsável por estas tarefas.
Ainda que o modelo seja semelhante ao de outras cidades, alguns aspectos de planejamento, gestão e financiamento dos sistemas brasileiros podem ser aperfeiçoados. Estas práticas podem ser observadas por cidades que ainda não possuem sistemas de bicicletas compartilhadas e também durante a renovação dos contratos dos atuais sistemas. Em termos de planejamento, o posicionamento de estações seria beneficiado com processos participativos envolvendo a sociedade. Estas práticas também ajudam a promover maior aceitação por parte das comunidades onde o sistema será implementado.
A gestão dos sistemas precisa ser melhorada e um componente fundamental é o acesso dos órgãos públicos de mobilidade aos dados operacionais, não apenas para a fiscalização das disposições contratuais, mas também para a realização de ajustes na operação. Em contrapartida, é importante que os órgãos públicos contem com capacidade operacional, recursos técnicos e humanos para acompanhar e analisar os dados dos sistemas. Por fim, é importante que o custo dos sistemas e as formas de financiamento sejam discutidas pela sociedade. O modelo atual, que conta com recursos quase exclusivos do patrocinador privado, tem limitações na escolha dos locais das estações e também na própria “durabilidade” dos sistemas em operação.
Contratos
Os instrumentos que regulam a operação dos sistemas de bicicletas compartilhadas possuem diferentes características em cada uma das cidades analisadas. Em todos os contratos, a execução do serviço acontece sem ônus direto (infraestrutura, operação ou manutenção) para o poder público. Os demais itens analisados são variáveis nas diferentes cidades e no Distrito Federal.
Em Belo Horizonte, São Paulo e Distrito Federal, os órgãos públicos responsáveis pela mobilidade urbana possuem papel de gestão direta dos contratos, enquanto no Rio de Janeiro esta tarefa está a cargo da Secretaria de Governo. É importante que o planejamento e implantação dos sistemas de bicicletas compartilhadas esteja integrado com os demais componentes das políticas cicloviárias e de mobilidade dos municípios, em especial com a infraestrutura de circulação (ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas), seja através da gestão direta dos contratos pelo órgão de mobilidade ou da sinergia entre estes órgãos e os gestores dos contratos.
O Rio de Janeiro é a única cidade onde houve outorga em montante significativo, repassada pela iniciativa privada ao poder público (R$ 25 milhões). Em Belo Horizonte o valor é bem menor (R$ 388.560). No Distrito Federal não existe repasse de valores e em São Paulo os valores transferidos são relativos às multas cobradas dos usuários que extrapolam a franquia de tempo permitida no sistema. A escolha prévia dos locais das estações também foi identificada nos contratos e editais. Em Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Distrito Federal, estes locais foram escolhidos pelo poder público e já constavam nos editais ou chamamentos públicos. Em São Paulo não houve esta previsão.
O planejamento e a implantação dos sistemas podem ser beneficiados por processos participativos, em que a sociedade é convidada a opinar sobre os pontos de desejo para as estações. Além de subsidiar as decisões técnicas a respeito dos sistemas, estes processos são úteis para dispersar eventuais resistências de setores da sociedade e dar visibilidade aos sistemas. Um exemplo bem sucedido de planejamento participativo é o de Nova York, que contou com reuniões presenciais e uma plataforma virtual para a opinião dos cidadãos.
Dados operacionais
A disponibilização dos dados de uso destes sistemas tem duas utilidades: a fiscalização do funcionamento e o auxílio ao planejamento cicloviário e de mobilidade. Além disso, as políticas de dados abertos colaboram para a inovação e melhoria dos sistemas, já que qualquer entidade ou centro de pesquisa pode produzir conhecimento e ajudar a identificar gargalos e pontos de melhoria. O formato dos sistemas nas cidades analisadas, com estações em pontos fixos e sistemas automatizados, possibilita a coleta de dados importantes sobre os deslocamentos e desejos de viagem em grande escala, permitindo ao poder público planejar a implantação de infraestrutura cicloviária que beneficie e potencialize estes deslocamentos.
Informações em tempo real ou consolidadas em formatos abertos sobre o número de bicicletas disponíveis, origens e destinos das viagens e duração dos deslocamentos são importantes para a garantia do bom funcionamento dos sistemas, viabilizando o reposicionamento de estações pouco usadas, a ampliação do número de bicicletas e vagas onde existe alta demanda e também o controle sobre as variáveis operacionais (número de bicicletas disponíveis, estações fora de serviço, bicicletas em manutenção, estações lotadas e outras). Os dados de uso também servem para a redução dos custos operacionais relativos ao reposicionamento de bicicletas, já que um sistema mais equilibrado tem maior potencial de auto-organização das estações (retiradas e devoluções de bicicletas).
Algumas cidades do mundo adotam o modelo de dados abertos à população, disponibilizando planilhas mensais com todas as viagens realizadas no sistema. Vale destacar os casos de Nova Iorque e Washington DC (EUA), dois sistemas com ótimo desempenho e que disponibilizam planilhas abertas com os dados brutos de viagens do sistema, conforme encontrado nos seguintes endereços: http://www.citibikenyc.com/system-data e https://www.capitalbikeshare.com/system-data. Em um modelo intermediário, os dados brutos deveriam estar integralmente à disposição dos órgãos públicos responsáveis pela da mobilidade urbana. Os arranjos institucionais e contratos dos sistemas brasileiros reservam ao operador privado estas estatísticas (exceto pelo Rio de Janeiro, conforme exposto na tabela 9).
Outra boa prática relativa ao tema da mobilidade compartilhada foi apresentada em São Paulo para regular o sistema de “taxis especiais”. A minuta do decreto para a regulação do “Uso Intensivo do Espaço Viário”, apresentada no mês de dezembro de 2015, prevê que as empresas que operam estes serviços (entre elas a Uber), disponibilizem integralmente ao poder público informações sobre cada viagem realizada, contemplando data, horário, origem e destino, duração da viagem, distância e mapa do trajeto percorrido.
O objetivo da medida é dar capacidade de regulação do sistema ao poder público, ofertando créditos (em quilômetros) às empresas que ofertam esse tipo de serviço e evitando a sobrecarga de vias ou a competição desleal com os serviços de taxis convencionais. A mesma estratégia de regulação e os mesmos tipos de dados são válidos para os sistemas de bicicletas compartilhadas.
Mais detalhes podem ser encontrados nos seguintes links:
Prefeitura lança consulta pública sobre novo modelo de transporte individual
Sao Paulo’s Innovative Proposal to Regulate Shared Mobility by Pricing Vehicle Use
Financiamento
Garantir a sustentabilidade financeira dos sistemas de bicicletas compartilhadas é fundamental para garantir seu bom funcionamento e também para que seja possível avançar em sua universalização como forma de transporte público. A análise financeira proposta para este relatório foi comprometida pela ausência de dados financeiros, exceto pelo valor da tarifa paga pelos usuários e pelas disposições contratuais de outorga ou transferência de recursos ao poder público. Não houve acesso aos demais custos e receitas dos sistemas.
A sustentabilidade financeira depende essencialmente dos custos de implantação e operação. Estes valores são refletidos em indicadores de custo por bicicleta, por estação e por viagem. O Guia de Planejamento de Sistemas de Bicicletas Compartilhadas do ITDP recomenda a adoção do custo por bicicleta no estágio de implantação dos sistemas e, com os sistemas implantados, a adoção do indicador de custo por cada viagem.
O modelo de financiamento adotado pelos sistemas brasileiros conta essencialmente com a receita de um patrocinador privado, já que não existe subsídio público para o funcionamento e também são pouco exploradas as modalidades de tarifas diferenciadas para o uso (passes diários, semanais, mensais ou anuais).
Segundo o Guia de Planejamento de Sistemas de Bicicletas Compartilhadas do ITDP, o investimento público é mais frequentemente adotado na implantação dos sistemas, mas também pode ser utilizado para cobrir custos de operação, especialmente com a adoção de recursos vindos de fundos públicos de desenvolvimento sustentável, transportes ou inovação. Algumas cidades dos EUA também utilizam percentuais das tarifas de transporte de média e alta capacidade para cobrir parte dos custos dos sistemas de bicicletas compartilhadas.
Os sistemas de bicicletas compartilhadas devem privilegiar viagens curtas (de até 30 ou 45 minutos) para que a bicicleta utilizada esteja disponível para o próximo usuário. Desta forma, a cobrança de tarifas dos usuários também pode ser melhor explorada nos sistemas brasileiros, especialmente com a adoção de taxas variáveis que beneficiem o usuário frequente que realiza viagens curtas e, ao mesmo tempo, sejam capazes de atrair mais recursos dos usuários esporádicos (turistas e usuários de final de semana).