Nos últimos anos, o Brasil viveu um momento único para planejamento e implementação de projetos de transporte de média e alta capacidade. Além dos investimentos feitos em infraestrutura de transporte urbano, o país finalmente passou a contar com uma Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU, instituída pela Lei Federal n°12.587/2012). Após 17 anos sendo discutida dentro e fora do congresso federal, a Política estabelece princípios e diretrizes para o planejamento e gestão da mobilidade nos municípios. O principal instrumento para sua efetivação são os planos municipais de mobilidade urbana. Sem os planos, os municípios não poderão ter acesso a recursos orçamentários federais para projetos de infraestrutura de transporte.
Desde 2010, o governo federal intensificou os investimentos em projetos de mobilidade urbana, principalmente por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Até hoje, o PAC disponibilizou R$ 153,7 bilhões para 413 projetos em todo o país. Deste total, o governo federal foi responsável por 65% dos recursos investidos (21% na forma de repasses do Orçamento Geral da União (OGU), e 44% em empréstimos), enquanto as contrapartidas representaram 35% deste valor, sendo 19% provenientes dos governos estaduais, 12% do setor privado e 4% dos governos municipais.
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Mesmo com a alocação de recursos dessa ordem, ainda serão necessários grandes investimentos para atender as necessidades de transporte das populações urbanas. Em 2014, o BNDES apresentou estudo que estima em R$ 234 bilhões o montante necessário para suprir o déficit de infraestrutura de mobilidade urbana nas 15 principais regiões metropolitanas do país.
No entanto, a expansão e qualificação das redes de transporte de média e alta capacidade não são resultado apenas de altos investimentos. Infelizmente, não faltam exemplos de ineficiência nos investimentos em transportes. Em setembro de 2015, o Tribunal de Contas da União (TCU) publicou relatório sobre a situação das obras de mobilidade financiadas com recursos federais, apontando que de 378 obras previstas no PAC da Mobilidade, com recursos de R$ 27,9 bilhões previstos no OGU, 69% sequer saíram do papel.
Nesse contexto, as diferentes esferas do governo têm enfrentado enorme pressão da sociedade para promover a implantação rápida e eficaz de seus projetos, revelando lacunas e fragilidades nas respectivas capacidades técnicas e institucionais. Em um momento de recessão econômica, estes desafios ganham ainda maior dimensão, face à redução dos recursos disponíveis e a necessidade de alocá-los de forma mais eficiente.
Embora os municípios conheçam melhor as necessidades locais de transporte urbano, o governo federal tem um papel central em promover melhores práticas de planejamento e implementação local dos projetos. Para isso, deve desenvolver estratégias para garantir que os projetos apresentados pelos órgãos municipais estejam alinhados aos planos locais de desenvolvimento e mobilidade urbana, e às diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana.
Desde o início do PAC, o Ministério do Planejamento e o Ministério das Cidades aprimoraram o processo de seleção dos projetos de transporte urbano, acrescentando critérios específicos para sua aprovação. Com isso, passaram a priorizar projetos que comprovem claramente os benefícios para a mobilidade das cidades e o alinhamento com instrumentos de planejamento urbano local. No entanto, ainda se faz necessário maior aperfeiçoamento deste processo, de forma a garantir mais efetividade na destinação e aplicação dos recursos federais. Isso é ainda mais crítico se levarmos em consideração que o governo federal dispõe de recursos humanos e capacidade técnica limitados para avaliar as propostas de projetos de mobilidade urbana, assim como para ajudar os governos municipais e estaduais a aperfeiçoar o desenho destas propostas.
Além de fortalecer os critérios para seleção e aprovação de novos projetos de média e alta capacidade, o governo federal precisa desenvolver programas de monitoramento e avaliação dos projetos financiados durante e após a sua execução. Indicadores e métricas permitem monitorar e corrigir rumos ao longo da implementação dos projetos, além de avaliar e extrair lições aprendidas ao final dos processos, permitindo identificar oportunidades para melhoria. Estas informações devem ser amplamente divulgadas para possibilitar o controle social e monitoramento pela sociedade civil, inclusive pelo Conselho Nacional das Cidades (ConCidades). Nesse sentido, é importante ressaltar as contribuições já feitas pelo ConCidades em 2013 quando da criação do Pacto Nacional de Mobilidade Urbana, que contemplam propostas para capacitação dos órgãos públicos, participação e controle social, qualificação das redes de transportes coletivos, entre outras.
Destacamos as seguintes recomendações:
- Aprimoramento do processo de seleção de projetos de transporte de média e alta capacidade para recebimento de recursos federais, oriundos tanto do OGU como de empréstimos. Critérios rigorosos e transparentes devem embasar o processo de seleção dos projetos, permitindo a comprovação dos benefícios oferecidos pelos projetos para a sociedade e a redução da influência de variáveis avessas ao interesse público no processo de tomada de decisão. O processo de seleção também deve incluir exigências para alinhamento dos conteúdos dos projetos com os planos locais de desenvolvimento urbano, assim como promover projetos fundamentados no princípio de democratização do espaço da via pública, garantindo a disponibilização de maior área aos modos coletivos e ativos, com a implantação de faixas exclusivas de ônibus, infraestrutura cicloviária e ampliação de calçadas.
. - Alocação regular de recursos financeiros para projetos de transporte de média e alta capacidade e modos alimentadores (ônibus convencional, à pé e bicicleta). A previsibilidade de recursos anuais para os municípios implantarem projetos de transporte público é fundamental para que se possa estabelecer metas de ampliação do transporte público no conjunto de deslocamentos da população.
. - Definição de metas e indicadores para monitoramento e avaliação de projetos à luz dos princípios e objetivos da Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU). Tal definição deve estar alinhada com os objetivos estabelecidos para as políticas de infraestrutura no Plano Plurianual (PPA) do governo. O desenvolvimento de instrumentos para monitoramento e avaliação dos investimentos irá fortalecer a capacidade do governo federal de gerenciamento de projetos e facilitar a identificação dos principais gargalos em sua implementação. Prevista na lei que institui a PNMU, a implementação do Sistema de Informações em Mobilidade Urbana (SIMU) é fundamental para fornecer a base de dados necessária para acompanhamento das metas e indicadores estabelecidos.
. - Formulação de estratégias federais para apoio ao fortalecimento da capacidade local de planejamento para implantação de projetos de transporte de média e alta capacidade. Um dos principais problemas apontados pelo governo federal e bancos nacionais de desenvolvimento para planejamento e execução dos recursos destinados a mobilidade urbana é a falta de qualidade dos projetos apresentados pelos estados e municípios, gerando uma série de dificuldades para realização das obras. Frequentemente, os projetos são apresentados sem qualquer alinhamento com a PNMU, o plano diretor e/ou de mobilidade municipais, com orçamentos baseados em estimativas pouco fundamentadas e com características técnicas que não priorizam o transporte público e os modos ativos. A alocação de recursos substanciais para uma ampla capacitação das equipes técnicas dos municípios na elaboração de projetos e planos, bem como a adoção de cadernos de referência com critérios técnicos para desenvolvimento de projetos de boa qualidade, pode fortalecer a capacidade técnica e institucional dos municípios na elaboração de projetos, tanto internamente como na contratação de consultores externos especializados.