Assegurar que todos tenham acesso ao transporte público de qualidade é um dos fatores fundamentais para promover melhores condições de vida nas cidades, reduzir a desigualdade social, aumentar a segurança viária e mitigar impactos ambientais decorrentes de um sistema de mobilidade centrado no uso do automóvel. Entre os maiores desafios das cidades brasileiras estão, contudo, a expansão, e qualificação de suas redes de transporte de média e alta capacidade e a priorização do transporte público no viário existente, em escala e ritmo que atendam às crescentes necessidades das populações urbanas.
Um indicador eficaz para avaliar esse progresso é o indicador de transporte de média e alta capacidade por residente (RTR, da sigla em inglês para Rapid Transit to Resident). O RTR é calculado pela razão entre a extensão total da infraestrutura da rede de transporte de média e alta capacidade e a população em aglomerações urbanas com mais de 500.000 habitantes, expresso em quilômetros de rede para cada milhão de habitantes. Apesar de algumas limitações (ele não considera, por exemplo, a densidade populacional no entorno dos corredores de transporte e a capacidade de atendimento da demanda de deslocamentos de cada modo de transporte), o RTR permite avaliar se o ritmo de crescimento da infraestrutura em escala nacional condiz com o crescimento demográfico nas áreas urbanas, bem como comparar o desempenho entre diferentes países.
Nos últimos 15 anos, o Brasil avançou na formulação de instrumentos legislativos e de políticas públicas para a mobilidade urbana. Desde 2007, o país também aumentou de forma significativa os investimentos no setor. No entanto, o crescimento da sua infraestrutura de transporte de média e alta capacidade evoluiu em ritmo aquém do necessário. Isso fica nítido ao analisar a evolução do RTR do Brasil entre 2000 e 2015 e compará-la com outros países com níveis similares de PIB per capita. Neste período, o RTR do Brasil teve um incremento de 2,4; enquanto em países como China e Colômbia ele cresceu mais do que o dobro em infraestrutura de transporte de média e alta capacidade para cada um milhão de habitantes.
Cabe também ressaltar que o volume de investimentos em infraestrutura de transporte de média e alta capacidade, observado nos últimos anos, foi realizado com participação significativa de recursos federais, sejam eles repasses do Orçamento Geral da União ou empréstimos. Em um cenário de retração das atividades econômicas e corte de gastos federais, este modelo de financiamento de projetos pode estar perto do limite, comprometendo a disponibilidade de recursos para o setor, mesmo para os investimentos em curso.
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Uma das saídas para reverter esse quadro é aumentar o volume de recursos disponíveis para investimentos em infraestrutura. De acordo com a Política Nacional de Mobilidade Urbana (2012), os governos municipais são os principais responsáveis pela promoção e organização dos sistemas de mobilidade urbana direta, indiretamente (via contratos de concessão) ou por gestão associada. Contudo, sua fragilidade fiscal é notória. De acordo com um estudo elaborado em 2011 pela FIRJAN (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro), 77% dos municípios do país geraram menos de 20% das suas receitas. Todo o restante foi proveniente de transferências dos governos estaduais e federal.
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Para reduzir a dependência de recursos de outras esferas de governo, fortalecer a capacidade local de planejamento de longo prazo e investimentos em infraestrutura de transporte urbano de grande porte, é preciso aumentar as receitas geradas localmente, assim como atrair investimentos externos. Considerando essas oportunidades, recomendamos as seguintes iniciativas:
- Reforçar a implementação de instrumentos subutilizados pelos governos municipais, tais como:
- Instrumentos de política urbana previstos pelo Estatuto da Cidade (outorga onerosa do direito de construir, contribuição de melhoria, venda de certificados de potencial construtivo, operações urbanas consorciadas, entre outros) que permitem criar novas fontes de recursos e recuperar a mais-valia de terrenos urbanos decorrente de investimentos públicos.
- Criação de empresas públicas, desenvolvimento de parcerias-público privadas e concessões para atrair recursos de investidores na construção de infraestruturas de transporte urbano. Os instrumentos do Estatuto da Cidade devem ser utilizados em conjunto com estas ações para promover a integração entre o planejamento do uso do solo e dos transportes, bem como para distribuir os ganhos com a mais-valia fundiária gerada pelos investimentos.
- Cobrança e reavaliação de alíquotas dos impostos sobre propriedade e transmissão de imóveis, em termos absolutos e relativos, dependendo da localização dos imóveis na cidade.
- Uso dos instrumentos previstos na Política Nacional de Mobilidade Urbana que permitem captar recursos e desestimular o uso do carro, tais como a cobrança de taxa sobre uso da via em áreas específicas, taxa pelo estacionamento de veículos em vias públicas e de uso privado.
- Uso de recursos de contrapartida à instalação de pólos geradores de viagens (a partir do Estudo de Impacto de Vizinhança) para qualificação do transporte coletivo, bem como a inclusão do setor corporativo (por meio de políticas públicas) como parte responsável da solução dos problemas de mobilidade por meio da gestão da demanda de viagens de seu público (clientes, funcionários, fornecedores, visitantes, etc.).
- Uso de recursos de compensação ambiental (a partir de Estudos de Impacto Ambiental) para a promoção do transporte coletivo e modos ativos, sob o argumento da redução de emissões de gases de efeito estufa.
- Revisar as regras de distribuição dos recursos arrecadados pela União através da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico sobre Combustível (CIDE-Combustível), e pelos Estados através do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), com o objetivo de aumentar a proporção destinada aos municípios. A propriedade e o uso do automóvel geram seus principais impactos em escala local, como os congestionamentos, a ocupação de espaço público e privado, além da sobrecarga no sistema público de saúde em decorrência da poluição do ar, sedentarismo e ocorrências de trânsito. No entanto, somente 7% da receita arrecadada pela cobrança da CIDE-Combustível e 50% do IPVA são repassados aos municípios. Aumentar a proporção de recursos destinados aos municípios é essencial para reforçar a capacidade orçamentária local para enfrentar as externalidades geradas pela propriedade e uso de automóveis, assim como promover maior coerência entre as escalas de impactos, arrecadação e desembolso destes tributos.
. - Promover maior transparência e reavaliar restrições para aplicação das receitas de multas de trânsito. Os municípios devem prestar contas sobre a utilização dos recursos arrecadados pelas multas de trânsito para permitir maior controle social. Da mesma forma, as restrições estabelecidas pelo Código de Trânsito Brasileiro para aplicação dos recursos arrecadados por meio da aplicação de multas precisam ser debatidas de forma a evitar a subutilização destes recursos e pactuar de forma transparente as prioridades com a sociedade.
. - O Governo Federal deve incentivar estratégias de Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável (DOTS), direcionando os recursos a projetos de transporte que estejam integrados ao desenvolvimento urbano do entorno. Desta forma, é possível gerar recursos locais a partir da valorização fundiária e cobrança por estacionamento em áreas públicas. Além disso, estratégias de DOTS contribuem para o desenvolvimento econômico local, aumentando a atividade comercial e gerando maior receita em impostos.